quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O empresário pródigo

Era uma vez um empresário. Varejista.

Teve dois filhos. O primogênito se criou dentro da loja. Ainda criança já era auxiliar, futuro gerente e sócio. Mas quando concluiu o ensino médio decidiu que iria para a capital. Queria ser ator, arquiteto, algo menos chato, segundo ele.

O pai teria lamentado mais mas não deu tempo. Muitos problemas para resolver: estoque, contas, impostos, inadimplência, devoluções. E o funcionário que ficou doente. E o caminhão que quebrou na estrada.

Fora as alegrias: nasceu a primeira netinha. Filha da filha mais nova, que também ajudava na loja.

Ah, e a esposa? Desde as primeiras vendas diretas, embriões do futuro ponto comercial, ela quem anotava tudo. Queria receber antes de entregar. Desconfiada, em certa noite de insônia ela perguntou ao marido se não seria uma boa ideia revistar as pessoas quando saem da loja. Inclusive aquele funcionário. O empresário acalmou a esposa. Em geral, ele disse, as pessoas são boas como você. E ela dormiu resignada.

Religiosamente depositava um dinheirinho na conta do filho. Perderam um pouco do contato que, na verdade, nunca tiveram. O filho vinha visitar a família duas ou três vezes por ano. Numa dessas trouxe um amigo. Para a irmã confessou que era o namorado. O pai nem desconfiou, pois nesse dia estava com a cabeça no Banco do Brasil.

A filha grávida de novo, deu no ultrassom: varão! O empresário e avô soltou dois foguetes, fez churrasco e ficou bêbado. Discutiu política e futebol com o genro. Contrariado, descontou no cachorro, que insistia em cercar a mesa. Apanhou de espeto e foi se esconder na casinha. A noite, na cama, não conseguia dormir de remorso. Foi lá fora e fez as pazes com o guapeca. Perdoado, voltou para a cama. 

O filho foi embora no outro dia. O pai levou ele e o amigo na rodoviária. Na volta passou na loja e viu que uma luz da vitrina estava desligada. Queimada, talvez? Parou o carro e foi resolver.

Assistiu ao jornal de domingo. Pescava de sono. A esposa foi deitar e ele foi atrás. Nunca soube interpretar o silêncio: era a terceira noite seguida que ela dormia sem dizer boa noite. Pensou em conversar. Mas capotou exausto, com um leve sorriso no rosto, imaginando o netinho usando o uniforme da loja.