quinta-feira, 28 de abril de 2016

O Aniversário do Rei

Roberto Carlos fez 75 anos no dia 19 de Abril. No mesmo dia, ele fez um show comemorativo em Cachoeiro do Itapemirim, sua cidade natal. A cidade e o show me fizeram lembrar de duas histórias.

Em 2009 fui à trabalho para Espirito Santo, e o roteiro incluía Cachoeiro do Itapemirim. Fui visitar a casa em que Roberto Carlos nasceu, e que há alguns anos foi transformada em um museu fajuto. No interior da casa algumas fotos e objetos. No exterior, lembro que a sinalização para chegar até a casa do rei era muito ruim. Tive que pedir informações às pessoas na rua, que pareciam tratar o local com certo desdém. Santo de casa não opera milagres?

Em 2010 ele fez um show gratuito em Curitiba. Fiquei sabendo de última hora. Eu estava trabalhando perto de Porto Alegre. Pensei comigo: o Rei está velhinho. Talvez seja a última oportunidade de vê-lo no palco. Partiu.

Na sexta-feira a noite fui até a rodoviária da capital gaúcha e comprei a última passagem para Curitiba. No ônibus, mas quando fui sentar, a mulher do banco ao lado era enorme: não caberia outra pessoa. Ela olhou pra mim, em pé e sem reação ao lado do banco, e sorriu sem graça. Fui conversar com o motorista. Ele achou que eu estava exagerando e foi lá conferir. Lembro que ele falou algo assim quando viu a situação: “É, não vai dar”.

Consegui um banco ao lado de uma outra senhora, com uma criança no colo. Primeiro a criança reclamou que a luz do meu computador estava incomodando. Depois ele derramou agua no meu computador (acredito que foi sem querer). Tentei dormir. Mas logo a mãe da criança me acordou perguntando se eu poderia emprestar o celular para ela ligar para o marido. A pior viagem da minha vida.

E um detalhe que pode passar despercebido: você ainda lembra, leitor, como era o mundo em 2010? Como era possível viajar (viver?) sem internet no celular?

No dia seguinte, assisti ao show mais impressionante da minha vida. Muito mais que os Rolling Stones, mês passado em Porto Alegre. Roberto Carlos tem um processo. Tudo é planejado, ensaiado. Ele começa as músicas conversando com a plateia, numa espécie de introdução. E do nada essa fala se transforma no primeiro verso. Arrepia. Emociona. Eu olhava para a esquerda e para a direita: todas as senhoras chorando.

O Rei sabe o que faz, porque faz para as pessoas. Não fui assistir ao show. Fui aprender com ele.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

O sucesso do cliente

Ultimamente tem se falado bastante no marketing em “sucesso do cliente” (customer success). O conceito é muito interessante, e já vou resumí-lo. Mas também não é nenhuma novidade. O que me parece é que pensar no sucesso do cliente, ao invés de ser uma descoberta, é algo que esquecemos ao longo do caminho.

Peter Drucker, o pai da administração, já falava isso há mais de meio século.
Nas palavras dele: “Todo problema que um cliente tiver é meu problema também”.
Com essa noção, podemos começar a compreender o que é pensar no sucesso do cliente em marketing. 

Por exemplo: digamos que você venda ferramentas. Softwares para empresas. Em geral, a preocupação do vendedor é que as ferramentas ou programas não deem problema. Essa seria a parte de quem produz e entrega: garantir que o produto funcione como deveria.

No entanto, o ideal seria que esse vendedor se preocupasse também com a performance: meu cliente está trabalhando melhor por causa da minha ferramenta? Meu cliente está tendo melhores resultados com o programa que eu instalei? Estou apenas preocupado que o programa não trave no computador dele ou estou realmente comprometido com os verdadeiros problemas do meu cliente?

Ou, resumindo, como aquilo que eu vendo vai fazer o meu cliente ganhar mais dinheiro, ser mais produtivo, reduzir custos? Em alguns casos, isso pode ser trabalhado para tornar o seu próprio negócio mais eficiente e lucrativo. Por exemplo: há alguns dias eu conversava com o proprietário de uma fábrica de bebidas. Era um final de semana de muito calor, e ele disse que na segunda-feira muitos distribuidores já estariam sem água, por exemplo. E que iriam ligar desesperados para a fábrica, fazendo pedidos urgentes. Perguntei se eles conseguiam ajudar essas distribuidoras a trabalhar melhor. Ele disse que tenta, mas que é difícil. Esse tipo de problema (planejamento das distribuidoras) é um exemplo de oportunidade de customer success: a fábrica orientar seus clientes (distribuidoras) e, com isso, melhorar toda a cadeia, da produção à entrega (o encadeamento produtivo no agronegócio é um grande exemplo).

Lembre-se: o que você faz só será recomendado se der resultados. Não basta apenas funcionar.

E um último comentário: não importa o quão genial seja a ideia, a teoria ou prática de gestão recomendada. É bem provável que Peter Drucker já tenha escrito algo sobre qualquer suposta novidade.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Ordinários fascinantes

O humorista Millôr Fernandes, entre tantas frases famosas, deixou uma que gosto de relembrar: “Quão maravilhosas são as pessoas que não conhecemos bem.” Ele se referia, obviamente, ao fato de imaginarmos alguém famoso, especial, forte, mas que, quando observado de perto, na intimidade, não era tudo aquilo.

Peter Drucker, o inventor da administração moderna, sempre afirmou que nada era mais interessante do que as pessoas. Para ele, não importava se a pessoa aparentasse ser a mais sem graça ou ordinária: quando ela começava a falar sobre o que fazia, o que conhecia, o que gostava, ela se tornava fascinante. Ele dizia que nunca conheceu sequer uma pessoa que não fosse interessante.

Vale esclarecer: Millôr sempre foi irônico, provocador. É admirado por isso. Mas hoje em dia, para mim, o assunto é muito sério, e por isso me identifico com a convicção de Peter Drucker. E aproveito esse espaço para refletir sobre ela.

Não sei o que pensa o leitor, mas tenho a impressão de que, quando ouvimos qualquer pessoa, com curiosidade e atenção, descobrimos muita coisa boa. O problema, no meu caso, é que as vezes esqueço disso. E prefiro ficar sozinho, pensando nas minhas coisas, resolvendo meus problemas, quando poderia estar interagindo, indagando, sendo mais atencioso.

O que facilita a interação, no meu caso, é o aprendizado. Profissionalmente, preciso entender as pessoas (e pessoalmente também pretendo entende-las. Quem sabe um dia). Por isso, gosto de fazer perguntas que me direcionem a assuntos sobre experiências: aonde trabalhou, como era, o que fazia, quem conheceu. Sempre sai uma história boa, e ideias, e insights. 

O problema é que costumamos dizer coisas como “não sou de conversar”, ou “sou mais na minha, reservado”. São crenças que se transformam em desculpas para evitar o contato. Também não prego aqui sobre transformar-se em um extrovertido, falador: falo sobre oportunidades que você ignora ao ignorar as pessoas. Falo sobre tesouros escondidos. Alguns nascem mais curiosos, mais atenciosos, outros mais indiferentes. Para não depender da personalidade e do humor, é preciso haver um método, um hábito. Não sei qual é o seu, leitor. Mas esse interesse histórico orientado (inventei o nome agora) é o meu processo para conhecer o interlocutor que, por mais ordinário, vai se revelar fascinante.



quinta-feira, 7 de abril de 2016

O jeito de não ser

Há alguns dias, durante uma capacitação, eu conversava com o gerente de uma loja sobre perfil de funcionários. Ele dizia que consegue identificar, na postura da pessoa, como ela é, e especialmente como ela vai ser no trabalho. O gerente garantiu que percebe, na maneira que a pessoa caminha pela loja, o quanto ela está determinada e disposta a ajudar, a entregar, a resolver.

Ele deu um exemplo: um cliente chegou à loja com um problema em um equipamento. Esse atendente perguntou se o equipamento estragado estava no carro do cliente. O cliente disse que sim, e o vendedor pediu para ver o produto. Foi até lá e encaminhou a solução de forma rápida e eficiente. Quem não vivencia uma realidade comercial vai achar essa história banal, corriqueira. Pra quem lida com atendimento ao cliente, sabe o quanto ela é rara. Esse funcionário circula com desenvoltura pela loja – e isso, segundo o gerente, revela muita coisa sobre ele.

É algo óbvio o quanto nos comunicamos sem falar nada - apenas com o jeito, a postura, a disposição, e até mesmo o tom de voz e o sorriso. Isso todo mundo já sabe. Mas aí vem a questão principal: se já sabemos, porque falhamos tanto nessa impressão não-verbal?

Muitas vezes é algo que não está evidente – e você vai precisar de alguém para apontar o defeito. Você não enxerga ele no espelho. Mas além de não aceitarmos muito bem a crítica, também não parecemos muito preocupados com a percepção que estamos causando. E o preocupante é que isso pode estar impedindo aprendizado e, especialmente, crescimento profissional. Quem não transmite entusiasmo fica pelo caminho.

É possível treinar e mudar a postura? Possível é, mas exige mudanças de hábito que não são fáceis. É algo que não se muda com apostilas e apresentações. Até conseguimos enganar com o discurso, contando histórias. Mas o jeito de ser não muda tão facilmente – e por isso ele revela tanta informação.

Essa habilidade de perceber a mensagem da postura alheia pode ser valiosa: você poderá avaliar fatores mais relevantes, e não apenas histórias e promessas.

E quanto à percepção que causamos: ela precisa ser natural, e não um teatro eventual. Quando fingir ou disfarçar vira rotina, é urgente a mudança. Afinal, você não vai querer, e creio que nem conseguiria, passar o resto dos dias fingindo – seja lá o que ou quem você tenta enganar.