quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Enquanto o caos não chega

Há alguns anos (6, 7 anos talvez) escrevi um texto sobre uma aparente habilidade que eu possuía para escrever textos de autoajuda. O texto se perdeu, mas ele era concluído com alguma brincadeira semântica, mostrando que mais uma vez eu havia escrito um texto nesse estilo, digamos, pobre.

E o que é um texto de autoajuda? Basicamente, é a filosofia barata que prolifera no Facebook: pequenos textos ou frases que afirmam que você pode se você quiser porque você é único e especial. Basta você não ter medo, acreditar em si mesmo e agarrar a felicidade. Tudo simples assim.

Existe autoajuda de qualidade? Decerto: aquela baseada em estudos científicos e pesquisas sérias que orientam pessoas e profissionais a agir. Arrisco dizer que a autoajuda de qualidade desvenda o cérebro cientificamente. Enquanto a autoajuda picareta assume a pretensão de resolver os mistérios do coração – até a definição é parca.

Para essa autoajuda rasteira, não ser feliz é uma questão de preguiça ou de incompetência. Fico aqui imaginando o quanto essas frases bonitas e vazias esfregam todos os dias na cara do incauto: “você é infeliz e a culpa é sua!”

Enquanto isso, sobrevivemos rezando para que o caos não chegue hoje. Já pensou, leitor, quantas desgraças poderiam acabar com a sua vida amanhã? Um ente querido partir, uma doença grave aparecer. Esses lances que ninguém sabe se é coisa do acaso ou providência divina.

Ao mesmo tempo, leitor, pense em quanta coisa irrelevante comparada às tragédias tiram o seu sono. Seria o único motivo plausível para entender racionalmente um desastre: mostrar a sua irrelevância e o quanto você se preocupa com bobagens. Parece necessário um problema de verdade para deixar de ser um adolescente mimado e chorão.

Nesse meio-tempo, busco um texto mais informativo e que, por si só, indique uma eventual mudança de postura. Mas qualquer leitor atento pode perceber que na maioria das linhas eu aconselho, advirto, sugiro que as pessoas ou empresas façam algo de tal maneira. Eis o “dom” que eu previa se manifestando: um escritor de segunda linha com a pretensão de escrever o que as pessoas devem fazer.  É meio involuntário: quando percebo, lá está a moral da história. 

E no capítulo de hoje, vimos que não se deve perder tempo com o que não é relevante. Até semana que vem, caro leitor!

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Sobre trabalhar demais

Existe uma pergunta que todo professor já respondeu: “Você também trabalha ou só dá aula?”.

Professores utilizam comentários assim para exemplificar o quanto são injustiçados: a nobre missão de educar não é considerada um trabalho completo. 

Não vou sair em defesa dos colegas. Não gosto desse discurso que representa uma “classe” inteira: igualar profissionais de uma mesma categoria é uma ofensa aos melhores e um refúgio aos medíocres – e isso vale para qualquer atividade profissional. Quem generaliza, no caso dos professores, provavelmente há tempos não entra numa sala de aula.

Minha questão é outra: O que pretendem os que trabalham tanto? De que maneira seu esforço está contribuído com os seus objetivos? Ou mais dramático: quais são os seus objetivos?

Entendo que muitas pessoas não possuem opção e precisam trabalhar para suprir necessidades básicas. Mas falo daqueles que já tem o que precisam para viver e continuam trabalhando feito condenados.

Trabalhar tanto traz dignidade? Pode ser. É uma filosofia de vida de origem religiosa e cultural muito forte, algo já abordado neste espaço. Mas se é para ser pragmático, pergunto: o que todo esse sacrifício está construindo? Será que gastar todo esse tempo e energia trabalhando é realmente necessário?

A intenção desse raciocínio não é criticar ninguém. Se você trabalha sem parar é problema seu. Mas acho que todo profissional pode refletir se o que ele está fazendo é de alguma forma edificante. É possível avaliar frequentemente seus resultados.

Sugiro conversar com as pessoas. Se você ouvir, elas irão dizer o que pensam das suas mãos calejadas. Das dores nas costas. Da sua falta de tempo.

E se você trabalha muito agora para um dia ter mais tempo livre, cuidado: dificilmente esse dia vai chegar, a não ser que você defina uma data, um prazo, um número, uma cifra. Algo que você possa medir e acompanhar.

Só mais uma reflexão para concluir: pense no que você construiu de importante nos últimos cinco anos. Se continuar trabalhando da mesma maneira nos próximos cinco, os resultados serão diferentes?

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Listas de tarefas não funcionam

Leitor: você é organizado e faz uma lista com as atividades do dia, da semana?

Segundo o autor Daniel Markovitz, em texto no blog da Harvard Business Review, é preciso parar de fazer essas listas (to do lists, em inglês). Elas contribuem apenas, segundo ele, para frustração e fracassos. Como isso acontece?

Primeiramente, algo já abordado neste espaço: o paradoxo da escolha. Depois de listar suas tarefas, você precisa então escolher qual delas fazer primeiro. E aquelas que você deixou para depois geram um certo custo de oportunidade perdida: você realiza uma tarefa pensando nas outras.

O autor lembra algo que já deve ter acontecido com você, leitor: você tem tanta coisa para fazer que simplesmente trava e não sabe por onde começar. Então você passa uma hora no Facebook ou com a TV ligada, divagando. 

Em função da grande diferença entre as tarefas, coloca-las numa mesma lista gera confusão e essa espécie de paralisia. A tendência é que você execute tarefas mais simples antes das demais: isso porque há uma recompensa psicológica ao ver um item ser riscado da lista. Só que a sua psicologia nem sempre avalia a importância do que precisa ser feito. E algumas tarefas mais complexas ou demoradas provavelmente serão adiadas. 

Além disso, se a sua lista de tarefas inclui itens de diversas prioridades, você vai resolver o que é urgente, e protelar o que não é para hoje: até se tornar urgente também. O grande problema: no papel, todas as tarefas parecem iguais. Falta um contexto para saber em qual trabalhar antes ou a qual dedicar mais tempo.

Para o autor, a única solução é programar o quanto cada tarefa vai demorar, e especialmente quanto tempo você tem para realiza-la. Suas atividades precisam ser dispostas no calendário. Só assim você pode transformar uma lista homogênea em algo tangível, onde estão estabelecidos os recursos necessários para realizar cada uma (tempo, local, urgência, etc).

Ou seja: listar tarefas é apenas a primeira etapa de um planejamento. É necessário, além dessa lista, definir qual será feita em cada horário, de acordo com prioridades e conveniências. Não deixe que a nobre missão de programar o seu dia se transforme em algo contraproducente.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Uma ou duas metáforas sobre feedback

Você também repete por aí aquele ditado que diz que se conselho fosse bom não seria de graça?

Ha alguns dias, na sala de aula, falávamos sobre como um pequeno detalhe pode dar indícios de um cenário empresarial. Aquela metáfora da ponta do iceberg: enxergamos uma pequena parte sobre a água, e desconfiamos da enormidade submersa (na verdade eu nunca vi um iceberg, mas alguém já viu e disse que é assim. O Titanic também não viu).

Empresas e pessoas também se revelam assim, em leves evidências. São pistas que indicam como as coisas realmente são, como elas funcionam rotineiramente. Alguém pode afirmar que é errado julgar algo ou alguém assim, com base apenas em pequenos detalhes. Mas é assim que o mundo gira: ou você se indigna ou se adapta.

É essa a maneira como avaliamos os outros: com base em pequenas características construímos juízos definitivos. Uma frase marca a vida inteira. Não há tempo para parar e avaliar detalhadamente: uma imagem é construída e desconstruída em um gesto, na primeira e avassaladora impressão.

E aqui retomamos o clichê que abriu este texto. O conselho pode não ser bom, mas é necessário. A única maneira de você evoluir como profissional e como pessoa é ouvindo palpites, sugestões, comentários. Quem sabe você esteja sendo julgado por um detalhe que você ignora.

O problema é que as pessoas não costumam reclamar. Elas percebem defeitos, erros ou problemas e ficam caladas: temem conflitos e a reação do criticado. Ou não se manifestam porque, afinal, não vale a pena. Ninguém vai ouvir. E assim passamos a vida avaliando e julgando em surdina.

O segredo do sucesso existe, mas demanda um esforço tremendo: é preciso incentivar a sugestão. Apenas agradecer eventual conselho não é suficiente: implore para ser criticado, por mais que o orgulho seja ferido, e por mais tendenciosa que a crítica seja – depois você avalia o que deve ou não ser considerado. Mas é preciso, como se diz por aqui, “ouvir umas verdades”. Por mais que você se avalie, sem o ponto de vista externo você não vai conseguir crescer.

Você não é especial. Um número de pessoas muito inferior ao que você imagina se preocupa com você. Este planeta é um grande orfanato, e a melancolia deveria nos unir a todos. Se o Pai não responde as suas preces, ouça o que os seus irmãos bastardos tem a dizer sobre você.

O pôr-do-sol, é certo
Já não me toca
Tão de perto.
Millôr

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Os introvertidos – parte 2

O maior desafio de um introvertido é, desde criança, adaptar-se ao mundo: nossas escolas, faculdades e empresas são moldadas para pessoas extrovertidas. O introvertido tem trabalho dobrado: precisa estudar, aprender, trabalhar, evoluir como qualquer pessoa. Mas, além disso, precisa aparecer, interagir – precisa se comportar como um extrovertido.

As empresas estão derrubando as paredes e colocando as pessoas para trabalhar cada vez mais próximas. Em qualquer instituição de ensino, o trabalho em equipe é a regra. Mesmo que, em geral, cada aluno faça uma parte e apresente um pouquinho lá na frente da sala. A métrica de avaliação é a participação.

Professores consideram bons alunos os extrovertidos. Prestar atenção e ir bem na prova não basta: é preciso participar e opinar, mesmo que seja uma bobagem – de acordo com os critérios atuais de avaliação, é melhor do que ficar calado.

A mesma situação ocorre com os departamentos de recursos humanos. As qualidades mais valorizadas são a habilidade de se comunicar e o tal relacionamento interpessoal. Sem falar, claro, na capacidade que o profissional tem de se promover, de se “gabar”: caso contrário, como saberíamos das maravilhas que ele já realizou?

Nesse cenário onde o melhor é o que aparece mais, o introvertido assume um objetivo paralelo ao desenvolvimento pessoal: conseguir ser visto, notado, ou simplesmente ouvido. 

A dúvida: será que é realmente necessário que o introvertido se transforme num extrovertido? Será que não perdemos tempo (e dinheiro) tentando que ele seja outra pessoa para só então aproveitar suas habilidades cognitivas? Já se sabe, por exemplo, que as ideias podem nascer no isolamento, e só depois serem submetidas ao escrutínio de um grupo. 

Talvez fosse mais simples deixar que ele encontrasse a melhor maneira e o melhor ambiente para produzir mais e melhor. O esforço atual das escolas e do trabalho (e até das famílias) é adapta-lo a um padrão de comportamento. Ou é realmente impossível ensinar alguém que fala menos e reflete mais? Existem estudos sérios que apontam isso?

Essa necessidade de exposição é opressiva para quem é recluso. E é contraproducente num cenário carente de resultados. Quem sabe seja o momento de repensar essa tara de querer moldar as pessoas. Desconfio que existam coisas sensacionais que não estão sendo ouvidas: estamos gritando demais. E eles falam baixinho.