quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O emissor inconsequente

Caro leitor: você já ouviu falar nos elementos do processo de comunicação? Ele é bastante simples mas extremamente representativo. Permita-me resumi-lo (ou pule para o próximo parágrafo): o emissor é quem envia a mensagem para o receptor. O receptor interpreta essa mensagem e envia um feedback ao emissor: pode ser uma resposta formalizada ou uma cara de espanto, por exemplo. Podem acontecer ruídos, que são interferências que prejudicam a compreensão da mensagem ou do feedback. E o emissor utiliza um canal para transmitir a mensagem, em geral uma tecnologia: uma carta (uma tecnologia revolucionária há alguns séculos), um celular, o Orkut (uma tecnologia em 2006). É isso.

O problema de um processo tão simples é o risco de ele ser ignorado na sua despretensão. Sua maior contribuição é a seguinte: para haver comunicação é preciso que esse ciclo seja completo. Isso quer dizer que não basta alguém (uma empresa, por exemplo) falar: é preciso que alguém ouça e reaja a essa mensagem. No entanto, cada vez mais, sobram emissores e faltam receptores.

Hoje em dia o emissor atira suas mensagens ao acaso. Se der sorte, algum ouvinte ou leitor desavisado se torna um receptor. Essa atitude comunicativa impensada e quase mecânica é característica, por exemplo, das redes sociais. 

Mas tem aquela história: nós moldamos as ferramentas e elas nos moldam. Por exemplo, o hábito de falar sem destino e de modo inconsequente no Facebook acaba contaminando as pessoas quando elas se comunicam em situações, digamos, físicas.

É um hábito que vai ficando impregnado no emissor. Ele esquece de quem está ouvindo. E assim eventualmente humilha, ofende... mas tudo sem querer, impensado. De fato ele nem falou por maldade. Ele não percebeu e nem queria dizer o que disse.

A tecnologia nos levou ao ponto de ignorarmos que, para existir comunicação, precisa haver um receptor definido. Nos tornamos um bando de emissores solitários e desesperados para ser ouvidos. Mas o conteúdo não é customizado, e o ruído se tornou a mensagem propriamente dita.

Logo,  cuidado se você é um emissor e não sabe exatamente quem é o seu público. Você pode falar uma grande bobagem e magoar, ofender, afastar. Eu andei errando assim ao falar em público. Sinto muito.



quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Inspiração é para amadores

Não é novidade que sentimentos atrapalham a razão. O caro leitor já deve ter feito uma compra por impulso. Já deve ter ofendido alguém no momento da raiva. Já falou algo que não devia. Só no outro dia, quando a poeira assenta, percebe o tamanho do erro. Como diria algum personagem de Dalton Trevisan, “discussão adiada é meia briga ganha”.

Sabemos que esses sentimentos, digamos, mais latentes (raiva, nervosismo, desejo) confundem a tomada de decisão. No entanto existe uma espécie de sentimento menor que nos atrapalha o tempo todo – e nem percebemos. Esse sentimento é a vontade. Ou melhor: alegamos falta de vontade ou falta de inspiração para deixar de fazer aquilo que precisamos fazer.

Num artigo recente do blog da Harvard Business Review, a autora Heidi Grant Halvorson afirma que ignorar a falta de vontade é uma maneira eficaz de combater a procrastinação. Por que precisamos sentir alguma coisa que nos impulsione a agir?

Lendo esse artigo, uma lembrança da infância apareceu e resultou neste texto. Um amigo, notório repetente, comentou que não entendia como eu tinha vontade de estudar. Lembro que respondi que não tinha vontade: estudava porque não queria reprovar. Era um hábito necessário, uma percepção precoce das consequências dos meus atos. (Se você procurar bastante, vai encontrar uma ou outra lembrança que te enche de orgulho.)

O fato é que nada está te impedindo. Como lembra a autora, nada está amarrando você à cama. A ausência de vontade, se você parar para pensar, é algo que de fato não existe. E para preencher esse vácuo só existe uma solução: criar em você mesmo o hábito de ignorar esse pseudo-sentimento.

No artigo a autora lembra o exemplo de grandes escritores que desenvolveram uma rotina de trabalho. Eles perceberam que se aguardassem pela tal inspiração produziriam muito pouco. Não importa o seu estado de humor: faça o que você quer e precisa fazer, ignorando a falta de vontade. Desanimado e cansado, levanta-te e anda.

Em uma entrevista recente, o fotógrafo americano Chuck Close afirmou que “a inspiração é para amadores. O resto das pessoas simplesmente pega e vai trabalhar”. Detalhe: Chuck Close ficou parcialmente paralisado em 1998 devido a uma compressão da medula espinhal. Mas ele continua trabalhando.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

De carona com a polêmica

O beijo gay do último episódio da novela das nove repercutiu bastante no Facebook. Foi a primeira vez que dois homens se beijaram em uma novela da Globo. O desfecho da trama teve 44 pontos de audiência, e o Ibope calculou que 7 em cada 10 televisores ligados no Brasil estavam sintonizados na novela. 

E como aconteceu essa repercussão na internet? Em geral, pessoas enaltecendo o amor livre, criticando o preconceito, celebrando a cena como um avanço na luta pela igualdade. Justo. No entanto, será que quem apoia os homossexuais (segundo o IBGE, 10% da população brasileira é homossexual) está realmente pensando no bem deles ou quer apenas aparecer e parecer uma pessoa sem preconceitos, moderna e descolada?

As manifestações do ano passado geraram um fenômeno semelhante: pessoas celebrando os acontecimentos para turbinar a própria popularidade. Pau na polícia, nos políticos, no “sistema”, ou “em tudo isso que está aí”. Mesmo sem saber exatamente o que acontecia, era a oportunidade de aparecer no Facebook. (Em tempo, uma pergunta para quem regozija em frente à TV ao ver as ações dos black blocs da vida: você não se sente nem um pouco constrangido com a morte do cinegrafista da Band Santiago Andrade?)

Não é raro ver pessoas apelando para a difamação, mesmo sem conhecer ninguém com opinião divergente. E para isso o Facebook é ideal: o pensador moderno lança suas ofensas à esmo, na expectativa de algum reconhecimento. Sem perceber, acaba atingindo pessoas que, em silêncio, simplesmente discordam. 

De qualquer modo, convenhamos: as pessoas falam e opinam sobre as polêmicas que quiserem. É o preço justo que a liberdade de expressão cobra. Mas eventualmente, esse emissor inconsequente pode também sofrer consequências.

E aqui chegamos no ponto principal deste texto:  por que “personalidades” manifestam opiniões extremas sobre assuntos que não entendem e que não são relacionados com suas atividades?

Pense no seu público, caro empresário: será que pessoas que discordam drasticamente de você vão ignorar seu radicalismo virtual e, mesmo assim, frequentar a sua loja? Um dado interessante, quem sabe estratégico: segundo o Datafolha, a população brasileira, apesar de tolerante, apresenta fortes posições conservadoras. Sabendo disso, como você se comunica?

Em meio a tanta opinião compartilhada, a melhor maneira de respeitar a convicção e o sentimento alheio é permanecer em silêncio. E longe do computador.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A ganância que dá preguiça

Os 7 pecados capitais são, basicamente, um conceito católico. No entanto, bastante difundido em qualquer religião ou cultura leiga (laica). Seriam os 7 vícios que o bom cristão deveria evitar. Em certo momento da história, a igreja católica divulgou as 7 virtudes que deveriam ser praticadas para combater os 7 pecados. Mas o proibido ficou mais conhecido – ou você saberia citar as 7 virtudes capitais? São elas a humildade, a disciplina, a caridade, a castidade, a paciência, a generosidade e a temperança (moderação, equilíbrio).

Um detalhe curioso: não só as virtudes combatem os pecados. Alguns pecados se contrapõem, e um parece anular o outro. Por exemplo: a avareza, ou ganância, e o seu oposto, a preguiça. A temperança, como descrita acima, consegue evitar a preguiça e a ganância ao representar uma postura equilibrada?

Pode ser que isso seja possível, mas digamos (ou digo eu, já que o texto é meu) que seja impossível. E que você tenha que optar entre ser um ganancioso ou um preguiçoso. Uma decisão totalmente sua.

Na raiz desse dilema habita uma dúvida que a ciência já tentou responder: a ganância é genética ou é uma opção de vida? E a preguiça, nasceu com você ou foi uma escolha, ou uma consequência da indiferença? Ou ainda influência do meio em que você foi criado e vive? Quando foi que você se fez a pergunta crucial: vale a pena o sacrifício? Ou é melhor deixar acontecer?

De alguma forma, a ganância move o mundo. Quem já assistiu ao grande filme “Wall Street – Poder e Cobiça”, viu o milionário especulador Gordon Gekko (Michael Douglas, Oscar de melhor ator pelo papel) afirmar que a ganância é boa (“Greed is good!”). Gekko atropelaria qualquer princípio ético para satisfazer suas ambições. Mas não é preciso ser um fanático da causa: pregar a ganância é, de uma forma extrema, valorizar a meritocracia e a individualidade.

Os dois vícios, ganância e preguiça, se opõem: mas um deles é mais fácil de ser administrado, pois dá menos trabalho. A ganância cansa, tira o sono. A preguiça não: ela pode ser automática, como a inércia. Logo, a opção por crescer e enriquecer é sua – sugere-se, no entanto, que isso seja feito com certa temperança. E ser medíocre, lamento, ou é algo que nasceu com você (na melhor das hipóteses), ou é uma opção sua: por mais que você imagine que seja consequência da falta de sorte ou de uma vida injusta.