sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Quando um pequeno e mesquinho fala


Estou lendo "Cartas a um jovem poeta", de Rainer Maria Rilke. O livro é a simples compilação de 10 cartas enviadas por Rilke em resposta a um aspirante a poeta, o jovem Franz Kappus.


Kappus mandou seus poemas para Rilke avaliar. Rilke evitou julgar a qualidade dos versos. A justificativa do grande poeta é avassaladora: "As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou".


Na sequência, Rilke orienta e questiona o jovem poeta: "O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar - ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto, acima de tudo, pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua noite: Sou mesmo forçado a escrever?" Quem escreve de verdade entende o que Rilke quer dizer.


Kappus decidiu publicar as cartas alguns anos após a morte de Rilke. Na última frase da breve introdução do livro, o já adulto Kappus humildemente conclui: "Quando fala um dos grandes, que só uma vez aparecem, os pequenos devem calar-se".


Escrever é uma necessidade. Quando escrevo tento olhar para dentro – sigo, mesmo que tropeçando, o caminho indicado por Rilke. E sou contemplado com o teu silêncio, leitor: durante alguns minutos, você calado enquanto eu falo. E nem sou grande como Rilke, sou pequeno e mesquinho, muito menor que Franz Kappus. Por isso agradeço imensamente os momentos de silêncio que você dedicou a estas linhas em 2012.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O Desesperado Dezembro

Em sala de aula, lembro que a satisfação dos clientes, tão subjetiva, é a expectativa a respeito do produto ou serviço confrontada com o choque (ou a surpresa) da realidade, do fato. A estratégia de serviços envolve a gestão da realidade e, mais importante, o controle das expectativas dos consumidores.

Dito isto, percebe-se que, em serviços, o ideal é prometer menos e entregar mais. Essa estratégia resume alguns clichês da gestão do atendimento ao cliente, como "superar as expectativas" e "encantar o cliente".

Final de ano é uma época interessante para se falar em expectativas. Nem precisa ser cristão para perceber que há algo de errado com o Natal. Ninguém vai mudar o mundo e transformar o Natal em período de reflexão, como sonham alguns. Mas é realmente impressionante como uma época de suposto descanso e harmonia transforma o comportamento do consumidor.

As expectativas giram em torno das festas, das viagens, das visitas. Não bastassem as próprias preocupações, as expectativas parecem ser compartilhadas, generalizadas. Atormenta, por exemplo, o que os parentes vão pensar a respeito dos presentes que vão ganhar. É uma dúvida que atormenta antes e depois da compra. Essa aflição resume o mês de dezembro, que contraria o discurso que insiste em dizer que “é tempo de paz”.

Além do Natal, a expectativa sobre o novo ano que se aproxima também gera inquietação. E elas são materializadas nas promessas para o ano seguinte: como ser alguém melhor, ganhar mais dinheiro, ou então perder peso, trocar de emprego, de atitude, de cônjuge?

O ideal seria este consumidor aflito fechar bem o ano, planejar o próximo, aproveitar a família. Ou simplesmente não fazer nada, e deixar as preocupações e expectativas se entenderem no próximo ano, que se inicia logo após o carnaval.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O brasileiro sem jeito


Um estudo da Harvard Business School encontrou uma relação entre o ato de dar gorjeta
e a corrupção. Uma matéria da revista Veja da semana passada comenta o artigo. Eu,
humildemente, também.

No estudo Here's a tip: prosocial gratuities are linked to corruption (algo como "Aqui vai uma
gorjeta: gratificações pró-sociais estão ligadas à corrupção”) os pesquisadores cruzaram dados
recolhidos em 32 países. Os resultados apontam que, em geral, países onde o hábito de dar
gorjeta é comum são países notoriamente corruptos, como Brasil e Argentina.

Será que atitudes aparentemente opostas - filantropia e corrupção - podem estar intimamente
ligadas?

Os autores admitem que o estudo não é conclusivo, até porque em alguns países onde a
pratica da gorjeta é comum a corrupção é pequena. Mas esta aparente contradição revela a
parte mais interessante do estudo.

Os autores se detiveram entre dois países: o correto Canadá e a corrupta Índia. A prática da
gorjeta nos dois países é semelhante, mas o nível de corrupção é totalmente oposto. Os
autores então questionaram os cidadãos buscando saber o que motivava as aparentemente
ingênuas doações de dinheiro.

No Canadá, a gorjeta costuma ser uma recompensa por um serviço bem prestado. Na Índia a
gorjeta é dada, em geral, para garantir algum benefício futuro. E na Argentina? E no Brasil?

Assim, a expectativa futura decorrente da gorjeta se assemelha ao suborno. Nosso
famoso "jeitinho brasileiro", citado no estudo, é um exemplo da propina em forma de
benevolência.

Por aqui é bonito ser malandro. Mas ao mesmo tempo todos criticam a corrupção, e nem
percebem que carregam esse gene adormecido, que se manifesta em situações onde a lei ou
a norma social é um estorvo, uma barreira pessoal.

E quando essa característica obscura aparece, passa por generosidade - e a consciência
corrupta dorme tranquila.

sábado, 8 de dezembro de 2012

O fim do fósforo e do fumante


Guilherme Toussaint, Executivo da Adobe Systems, relata uma história que é uma alegoria perfeita da comunicação de marketing - e da sua recorrente miopia.

Joshua Pusey, advogado de patentes, inventou e patenteou a caixa de fósforos. Na época elas eram vendidas por um centavo de dólar. Até que Mendelson Opera, sem muito dinheiro para divulgar seu show, teve uma grande ideia: encomendou 200 caixas de fósforos personalizadas, que anunciavam um espetáculo com “lindas garotas, incrível figurino e muita diversão”. O salão (Opera Hall) ficou lotado.

Devido a este e outros sucessos, essa modalidade de anúncios cresceu muito, impulsionando a fabricação das caixas de fósforo. Para se ter uma ideia, em 1920 as caixinhas eram a forma mais popular de publicidade nos EUA. Com a crise de 1929, no entanto, os anúncios desapareceram.

Recuperada a economia, as caixas de fósforo com mensagens publicitárias tiveram seu auge nos anos 1950 e 60. Nessa época todo mundo fumava. Fumava-se em hospitais, escolas e aviões. Hoje tenha cuidado, fumante: a patrulha da saúde é tão grande que, se você for visto fumando, pode levar uma pedrada.

Em 1974, no entanto, um francês chamado Marcel Bich criou uma companhia que modificou todo o mercado do fogo, da brasa, da chama. Sua empresa fabricava lápis e penas de escrever. Ele é o criador da primeira caneta esferográfica, batizada de BIC, a pronúncia de seu sobrenome.

Mas obviamente não foi a caneta que apagou o fósforo. Foi o sucesso seguinte: o isqueiro descartável. Os isqueiros BIC tinham a capacidade de acender 3 mil cigarros. Custavam 1 dólar, arrasando o arcaico concorrente na relação custo-benefício. E assim, a eficiente publicidade das caixas de fósforo, também desaparecia.

O autor compara o caso com a publicidade na internet, que é exaltada como a reinvenção do marketing (especialmente pela capacidade de medir tudo, algo que a propaganda tradicional não consegue fazer) mas que, no entanto, é considerada invasiva e pouco eficiente.

E quem vai matar o isqueiro? Uma nova tecnologia ou a caça aos fumantes?




segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Dois jornalistas e a última virgem


Minha primeira formação acadêmica é o jornalismo. Não o exerço plenamente – não no sentido de frequentar uma redação ou ganhar a vida noticiando. Mas faz tempo, desde antes da academia, que admiro, comparo e palpito a respeito do que é divulgado como notícia. Deixei de lado o esforço da imparcialidade e da objetividade e, quando escrevo (fora do campo acadêmico ou profissional), o intuito vai da provocação comedida ao simples desabafo.

Jornalistas vem e vão. Ultimamente, parece que muitos vão, um ou outro vem. Há alguns anos, por exemplo, morreu o quase anônimo Fausto Wolff. Tratava-se de um comunista alcoólatra e inconformado, que escrevia como poucos. Dediquei um texto a ele na época, descrevendo as circunstâncias em que eu me encontrava quando ouvi a notícia de sua morte (seria imprudente relembrar essa história aqui). Nunca compartilhei o proselitismo ideológico daquele senhor, mas devo a ele alguma parte imensurável deste meu amador ofício de escriba.

Devo muito menos a Joelmir Beting. Ele faleceu na madrugada do dia 29 de novembro. Estava com 75 anos – 55 dedicados ao jornalismo.  Devo a ele apenas a alegria de uma frase, de um momento de alívio e alento. Explico.

Por acaso a TV estava sintonizada no Jornal da Band. Noticiavam o caso da moça catarinense que leiloou a virgindade na internet.  O vencedor foi um senhor do Japão, ao bater o martelo em estonteantes 780 mil dólares.

Era a notícia que encerrava aquela edição.  E Joelmir Beting, na despedida (foi a última vez que o vi), comentou: “Sorte da moça que é um japonês!”.   

Foi-se o ultimo comunista. Foi-se a última virgem. Foi-se Joelmir, e o telejornalismo brasileiro fica ainda mais chato, monótono e previsível.