quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A volta do chapéu de burro


A Revista Veja do dia 17 de outubro traz uma entrevista com o célebre headhunter Egon Zehnder. Ele aborda estatisticamente um ponto crucial: contratações e nomeações equivocadas são mais prejudiciais que a corrupção dentro de uma empresa ou órgão público.

Ele explica: estimativas indicam que o custo da corrupção represente 5% do faturamento das companhias. Por outro lado, numa fábrica, um funcionário de qualidade produz até 40% a mais que um funcionário padrão. E segundo Zehnder, pesquisas acadêmicas mostram que quanto mais complexa a tarefa, maior é a diferença de produtividade entre os funcionários.

Ou seja: as seleções equivocadas são um “escândalo oculto”, já que é difícil relacioná-las com os resultados financeiros da empresa. Estatisticamente, segundo Zehnder, pode-se perceber que uma equipe desqualificada gera mais  prejuízos que os danos causados por desvios éticos.

Já abordei várias vezes a questão do despreparo das empresas e departamentos de recursos humanos nos processos de seleção de funcionários. Por isso, desta vez, vamos avaliar uma questão posterior à contratação: se os melhores produzem muito mais que os medianos (para não falar medíocres) por que treinamos todos do mesmo jeito? Não seria o caso de investir pesado nos raros talentos, já que eles carregam a empresa nas costas?

Essa ideia não é minha. Modelos de gestão há tempos pregam o aperfeiçoamento constante e exclusivo dos melhores funcionários, e não os treinamentos niveladores que temos hoje. A gestão de pessoas não deveria ser padronizada para toda a empresa.

Para concluir, arrisco uma relação: será que em sala de aula, o louvável esforço de incluir todos os alunos no processo de aprendizagem não acaba também excluindo os melhores?


quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O que gera a esperteza?


Em 2010, Jeff Bezos, fundador da gigante virtual Amazon, discursou para formandos de Princeton.  Jeff iniciou o discurso com a seguinte história:

Quando criança, ele costumava passar as férias e viajar com seus avôs. Durante as viagens, acomodado no banco traseiro, Jeff surpreendia os velhos com suas habilidades de raciocínio lógico.

Apenas um detalhe incomodava Jeff: a fumaça dos cigarros que sua avó fumava ao longo da jornada. E por isso teve um plano: ele lembrou de uma campanha anti-tabagista que ouvira no rádio. A campanha dizia, recorda Jeff, que a cada tragada o fumante perdia alguns minutos de vida.

E então Jeff, o prematuro gênio dos cálculos, fez as contas, tocou no ombro da avó e declarou: “Fumando a cada dois minutos a senhora já perdeu nove anos de vida!”

Jeff esperava, como de costume, ser elogiado por mais uma dedução brilhante. A reação, no entanto, foi catastrófica: sua avó começou a chorar.

Seu avô, sempre comedido, parou o carro no acostamento, abriu a porta traseira e pediu que Jeff descesse. O menino temeu a reação, mas após um instante de silêncio, seu avô falou: “Jeff, um dia você vai entender que é mais difícil ser gentil do que ser esperto.”

Eis a mensagem de Jeff para os bacharéis: inteligência é um dom, gentileza é uma escolha. É fácil utilizar um dom, mas as escolhas podem ser complexas.

A história acima nos faz lembrar os inúmeros momentos em que teria sido melhor ficar calado. Ou omitir aquela crítica precisa e contundente, mas que apenas magoou alguém e não colaborou em nada para melhorar a situação. Não bastaria, nesse caso, a complacência, ou um comentário benevolente? Mostrar esperteza, muitas vezes, é distribuir crueldade. Afinal de contas, é realmente difícil ser gentil quando temos a oportunidade de ostentar a nossa astúcia.

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Aqui o discurso transcrito (em inglês) e abaixo no Youtube. Um bom exercício do idioma para quem quiser ouvir e ler o texto ao mesmo tempo.





quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O lamentável comportamento pós-eleitoral


Passadas as eleições, não se sabe ao certo o que deixa o gosto mais amargo na boca: a campanha eleitoral que graças a Deus terminou, ou o comportamento pós-eleitoral, tanto dos vencedores quanto dos derrotados nas urnas.

Os perdedores reclamam que a sociedade não sabe (ou só desta vez não soube) votar. Lamentam que foi a cidade que perdeu, e não eles (alguns deles perderam ou perderão um cargo de confiança). Falam que o candidato eleito prometeu muito e não vai cumprir nada e que, ano que vem, o caos se instaura. Em geral, no entanto, compreendemos a dor de quem perde: nada do que é humano nos é estranho, afinal.

Por isso é que o papel mais lamentável nesse cenário eleitoral definido é o comportamento do vencedor. Quem já venceu, não satisfeito, precisa ainda humilhar o derrotado em estado de luto. Será que o opositor político, pelo simples fato de ser oposição, é alguém do mal? É alguém que merece não somente a derrota mas também (cuidado, pois este é o argumento dos tiranos) a expurgação? Não basta ao fervoroso cabo eleitoral os próximos quatro anos de apadrinhamento e status de funcionário público? Até outro dia o inimigo de hoje não era um vizinho querido, um cliente fiel, um amante insuspeito?

Até pouco tempo, os comentários pós-eleitorais aconteciam em casa, no trabalho, nas bodegas. Seu alcance era limitado, se perdiam no ar, no calor da discussão. Hoje, com a onipresença do Facebook, a revolta do derrotado e a soberba do vencedor são lançadas na rede com ódio generalizado, sem destinatário, e ali permanecem gravadas. Será que essas ofensas proscritas (e muitas mal escritas) serão esquecidas?

Dizem que os políticos são corrompidos. Pelo comportamento dos eleitores, quem corrompe é a política.



quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O despertar do Seu Madruga


Numa daquelas doces manhãs de sono eterno, acordo com uma mensagem no celular. Como diria Seu Madruga, com que direito me acordam as 11 da madrugada?

Sou cliente da operadora Vivo, e já estou acostumado com as mensagens inúteis ou repetitivas que ela envia só para me acordar. Desta vez, contudo, a mensagem era diferente:

“Por determinação da Anatel, caso não queira receber mensagem publicitária desta prestadora, envie SMS gratuito com a palavra SAIR para 457.”

Desconfiado do lapso de bondade, socorri-me na internet. Fui pesquisar se não era algum tipo de pegadinha: uma daquelas em que eu mandaria o torpedo para o tal 457 com o texto SAIR e contrataria um novo serviço, ou então começaria a receber diariamente o horóscopo, por exemplo. Meu medo era que aquele torpedo, se respondido, gerasse mais torpedos inúteis.

Mas não desta vez! A Anatel realmente deu um prazo para as operadoras solicitarem aos clientes se eles desejam ou não continuar recebendo mensagens publicitárias. Fiz o procedimento e parece ter surtido efeito. Mas mesmo assim lembrei do gato escaldado, e daquele cachorro mordido por cobra.

É assim que o consumidor se sente com as operadoras telefônicas: sempre desconfiado, fazendo de tudo para que não seja incomodado e possa, pelo menos, dormir em paz.

Resumindo: este cliente é despertado com a solução de um problema. No entanto, por culpa das próprias operadoras, é ressabiado e hesitante. Antes de plenamente acordado, duvida da própria realidade, e sente-se vagueando na biblioteca infinita de Jorge Luis Borges, ou num realismo fantástico de Kafka.

Minto e exagero: ele é simplesmente enganado e não engana ninguém. É só o Seu Madruga, às 11 da manhã, roncando refestelado no humilde sofá.