terça-feira, 26 de março de 2013

A fragilidade das lembranças


Você lembra de quando o presidente Obama apertou a mão do presidente iraniano Ahmadinejad?

Essa foi uma das perguntas realizadas em um estudo americano com mais de 5 mil participantes. Falsos cenários e situações eram apresentadas aos entrevistados e eles respondiam se lembravam ou não do evento .

Aproximadamente metade das pessoas disse lembrar de fatos que nunca ocorreram. Como esse aperto de mão.

Pesquisas têm revelado que nossas memórias não são formadas exatamente como em um gravador. Trata-se de um mecanismo complexo que pode falhar: isso porque as lembranças estão intimamente ligadas à imaginação, além de sofrerem o impacto de fatores sociais e comportamentais.

Por exemplo: os pesquisadores perceberam que nossas convicções ajudam a moldar as lembranças. No exemplo acima, se você apoia ou simpatiza com o presidente americano, é mais provável que você saiba que o fato nunca existiu – mesmo não lembrando direito. Se você for um opositor de memória fraca, é grande a chance de você vislumbrar e acreditar na informação que lhe convém.

Temos também arraigada a noção de que nossas memórias são posses imutáveis.  Afinal, elas contam nossa história e formam nossa identidade. Dito isso, uma pergunta: quais são as suas memórias mais antigas? Não parece que as vezes elas perdem consistência e, mesmo sem confessar a ninguém, até você questiona se determinado fato realmente existiu? Isso acontece porque nossas memórias sofrem alterações ao longo do tempo, com informações que se cruzam e acrescentam detalhes – detalhes reais ou imaginários?

É difícil aceitar que nossas memórias não são um porto seguro. Infelizmente nossas lembranças são, em parte, ficção.

A pesquisa conclui que nem sempre a memória é válida para confirmar se algo aconteceu ou não. Mas é uma forma confiável de demonstrar, através de uma complexa combinação, quem você é. 

terça-feira, 19 de março de 2013

O obrigatório diploma


Reportagem recente do The New York Times constatou que nos EUA o diploma universitário é o novo ensino médio. Cargos comuns, que não necessitam de uma formação específica, são ocupados por estudantes ou egressos de universidades.  Diferente do Brasil?

A repórter utiliza como exemplo um escritório de advocacia que ela visitou: todos os funcionários se formaram em Direito. Inclusive a recepcionista. Inclusive o assistente administrativo.  E também quem cuida só dos arquivos. Diferente de Santa Catarina?

O fenômeno é curioso e também evidente: muitas faculdades graduando muita gente. Muita gente trabalhando em áreas diferentes daquela em que se especializou. E na maioria das vezes, em funções que não exigem 4 ou 5 anos de labuta acadêmica.

O lado positivo de tanto estudo é o crescimento pessoal, e a capacitação para continuar buscando oportunidades melhores: quem sabe mais rentáveis, ou talvez mais focadas na área de atuação.

O lado negativo é a perda de tempo: aos 18 anos o jovem escolhe um curso que imagina gostar, investe bastante dinheiro nele, e depois cai na realidade do mercado: não há vagas para todos nesse ramo.  Não falta emprego, mas não há garantia alguma de que ele vai trabalhar na área em que se formou: as oportunidades são limitadas. Sem mencionar outro entrave: a qualidade duvidosa de cursos e instituições.

Resultado: já que todo mundo hoje em dia faz uma graduação, destaca-se quem tem pós-graduação. Não que isso seja um problema. Mas também gera desperdício: profissionais qualificados que investiram ainda mais na carreira vão realizar funções operacionais. Não porque falta emprego: porque sobram diplomas.

Não é só aqui que se forma mais gente do que o mercado comporta. O que me preocupa, como professor, é a frustração do aluno que não ocupará a posição que almejava. O que me preocupa mais ainda, como professor, é a frustração de quem nem aluno universitário pode ser.

terça-feira, 12 de março de 2013

A individualidade suprimida


Fazer parte de um grupo indica duas características opostas do ser humano.

Comecemos pelo lado positivo: quando você entra em um grupo, você é obrigado a tolerar os integrantes. E você, com o tempo, não apenas tolera, mas também cria afinidades. Percebe que aquela pessoa que você repudiava não é tão chata assim. Encontra semelhanças e cria laços de amizade. Isso acontece no trabalho, na faculdade, no bar. É do ser humano a capacidade de adaptação.

Essa nossa facilidade de criar laços de afeto em função de afinidades pode ser também um vício condenável. Um exemplo: você é um torcedor fanático, e resolve entrar para a torcida organizada do seu time. A partir de então, não importam os interesses pessoais: não interessa se um é um picareta, ou se o outro é um salafrário: por terem um gosto em comum, ignoram-se todas as diferenças. Ao mesmo tempo, a torcida do time rival, pelo simples fato de ter um interesse incompatível, se torna inimiga. Provavelmente naquele grupo oposto você encontraria algumas pessoas muito parecidas com você.

Vamos além: muitos justificam posições e argumentos porque nasceram em tal lugar. Porque sua pele é de tal cor. A individualidade é esquecida em função de fatores sociais, políticos ou genéticos. Nos protegemos e também nos promovemos sob determinada denominação. O grupo, nesses casos, vira uma categoria de pensamento e de ação que atropela qualquer lapso de individualidade. Ou pior: a individualidade se torna um mero reflexo do que o grupo representa.

Pense nisso, leitor: você faz parte de um grupo que realmente representa os seus valores e princípios? Você é livre para discordar ao mesmo tempo que entende as diferenças e respeita a liberdade de expressão?  Ou você não tem valores nem princípios definidos e eles são determinados pelos interesses do grupo no qual você está inserido? Essa é a abissal diferença entre o virtuoso e o canalha.

terça-feira, 5 de março de 2013

Parabéns e obrigado vazios


Quando foi a última vez que você agradeceu alguém de verdade? Buscando palavras – exageremos – lá nas profundezas do coração e da alma? Deve fazer tempo. E provavelmente você pouco ou jamais refletiu a respeito do significado que esse gesto carrega.

Num texto de fevereiro bastante comentado no blog da Harvard Business Review, o autor Mark Goulston escreve sobre o poder do agradecimento verdadeiro num mundo corporativo ingrato e, ao mesmo tempo, carente.

Mark conta que mandou um e-mail para uma assistente administrativa igual a você agradecendo um apoio competente que ela prestou. Ele escreveu algo assim: “Espero que sua empresa e seu chefe saibam – e falem para você – o quanto você é valiosa e especial!”

Ela respondeu: “Você não imagina o quanto seu e-mail significou para mim.” Ele poderia ter escrito apenas “muito obrigado!”. Teria sido grato e educado. Mas isso todo mundo fala e escreve. É obrigado dizer obrigado?

Fiz aniversário há alguns dias e posso arriscar uma analogia: o que alguém quer dizer quando escreve no seu Facebook apenas “Parabéns”? É uma formalidade virtual ou realmente um desejo honesto? Perceba leitor: todos os dias alguém faz aniversário entre os seus amigos. Para você não muda nada, é tanta gente que muitos passam despercebidos. Mas para este amigo é, obviamente, uma ocasião ímpar. É um dia de lembranças e sentimentos latentes. Mas a nossa correria sem rumo nos impede de perceber o que faz bem para os nossos. Eles só querem ser reconhecidos, agradecidos, parabenizados – assim como você e eu.

Se realmente queremos agradecer ou parabenizar alguém, precisamos ser notados. Precisamos mostrar que numa multidão de repetidores inconscientes há alguém que percebe. Há alguém que se importa. Caso contrário, desconfio que é mais decoroso o silêncio do que palavras isoladas, ditas ou escritas de modo impensado e mecânico.

Envelhecido, cheio de saudades
Ando na multidão
Sempre da mesma idade.
Millôr