quarta-feira, 28 de maio de 2014

Maus e Selvagens

A polícia militar de Pernambuco entrou em greve, e os moradores da região metropolitana de Recife aproveitaram a ausência policial para saquear lojas. As imagens da TV são impressionantes, todo mundo viu. Só que já no dia seguinte ao ocorrido, muitos ladrões ocasionais se arrependeram e começaram a devolver produtos furtados. Vi o depoimento de um que chorava, dizendo que não conseguia dormir direito por ter furtado uma cafeteira. Questionado sobre o motivo do furto, ele respondeu que viu todo mundo pegando e, num ato impensado, pegou também.

Alguns dias antes uma mulher foi linchada no Guarujá, no litoral paulista. Todo mundo viu a barbárie gravada pelos celulares dos participantes ou coniventes. Ela foi confundida com uma bruxa que nunca existiu – a não ser na imaginação das pessoas, alimentada pelos boatos no Facebook. Diziam que uma mulher estava sendo procurada por raptar crianças e fazer rituais de magia negra. A Bíblia que a vítima carregava teria sido confundida com um manual de bruxaria.

A mulher foi agredida durante duas horas e não resistiu aos ferimentos. “Pegaram ela!”, anunciaram, e uma multidão de curiosos compareceu – todos recrutados pelo Facebook, Whatsapp ou SMS gratuito.

Pode-se citar ainda mais um caso, ocorrido nos mesmos dias: o do vaso sanitário arremessado da arquibancada que matou um torcedor, também em Recife. Nas torcidas, organizadas ou não, acontece a mesma coisa que aconteceu nos furtos e no linchamento: pertencer a um grupo simplesmente cega o indivíduo. E ele começa a agir de acordo com a situação, com a oportunidade.

E o ser humano tem essa tendência pré-histórica de andar em bandos. Pertencer a um grupo parece aumentar a probabilidade de sobreviver. Mas também aumenta a chance de agir por instinto. E o nosso instinto é assassino. O filósofo Rousseau prejudicou o mundo moderno com a ideia de que o ser humano nasce puro, mas é corrompido pela sociedade: o conceito do “bom selvagem”. O que se percebe é o contrário: nascemos cruéis e a sociedade é que nos impõe limites. Não tem como não lembrar Nelson Rodrigues, o maior pensador do Brasil: “Consciência social de brasileiro é medo da polícia.”

O que distingue o ser humano dos demais animais é a capacidade de se arrepender. Estamos condenados a isso: errar, pecar, magoar e até matar, e na semana seguinte pedir perdão. Mas o perdão, pensando bem, só beneficia quem perdoa. Quem é perdoado continua sem dormir, atormentado pelo passado.





quarta-feira, 21 de maio de 2014

Mais tristes no Facebook

De tempo em tempo descubro algumas leituras impressionantes na internet. Existe muita coisa boa em português, mas dizem que mais de 90% da informação disponível na rede está em inglês – e como a qualidade é escassa, a probabilidade ganha importância. O tradutor do Google é incrivelmente bom, mas a graça é compreender o idioma universal. Captar uma ironia ou um trocadilho em inglês é ver o mundo de uma nova perspectiva. É ver o mundo pela principal perspectiva. Adiante.

Há alguns dias descobri o site da revista Fast Company. O autor Sebastian Klein escreveu lá, há alguns dias, um artigo chamado “Como o Facebook está nos deixando tristes”. Segundo o autor, mesmo estando mais ricos e mais saudáveis do que gerações anteriores, estamos mais tristes. Ele pergunta: este mundo de aparentemente ilimitadas possibilidades seria um bilhete para a infelicidade?

Antes de responder, o autor cita uma definição simples e precisa: felicidade significa estar contente com o que você tem.

Mas o ser humano é esse notório animal ambicioso e competitivo. Mesmo aqueles que ganham na loteria, lembra o autor, querem mais.

E o argumento dele é simples: há algumas décadas era mais fácil ser um dos melhores do vilarejo, ou ter umas das maiores casas, ou ter uma das esposas mais bonitas do lugar. O mundo era, ou pelo menos parecia, muito menor.

Antigamente as pessoas não tinham um volume grande de comparação. Hoje, a tecnologia e a informação fazem com que você se compare com os (muitos) outros o tempo inteiro. E aqui surge a ideia que originou essa pequena reflexão: a felicidade e a infelicidade são resultados da comparação. E para ir dessa comparação até a cobiça, a inveja e a consequente tristeza, é um pulo.

A rede social torna o sucesso alheio bastante conhecido e compartilhado. E esse comparativo de perfis faz você focar naquilo que você não tem ao invés de ser grato pelas suas conquistas, afirma o autor.

Eu poderia acabar esse texto com um conselho. Algo do tipo “pare de se comparar com os outros, você é único e especial.” Mas não acredito nisso. Acredito que você seja único e quem sabe especial para algumas pessoas. Mas acho que a comparação é a melhor maneira de evoluir como pessoa ou como profissional. Até as empresas deveriam se comparar com as melhores, e a administração estuda isso. O meu e o seu desafio, leitor, é fazer essa comparação gerar correção e atitude, e não uma passiva tristeza ao se sentir menor.



quinta-feira, 15 de maio de 2014

Estratégia é jogar fora

Quando se fala em estratégia, dificilmente não se fala em Napoleão Bonaparte. E é clássico na administração estudar movimentos militares e comparar com o que as grandes empresas fazem. Quem pensa que a solução para a guerra é a paz não conhece o ser humano. Mas estou divagando.

Concentremos na estratégia: segundo Napoleão, se você precisa de forças em um lugar, é preciso economizar força em outros lugares. Com esse raciocínio, o autor Nick Tasler abre seu artigo no blog da Harvard Business Review. A essência da estratégia é escolher o que não deve ser feito.

Dessa forma, segundo o autor, a produtividade não pode ser um objetivo. Sem estratégia, a produtividade é insignificante. Você estará concentrando esforços e lutando para ser eficiente em tarefas que podem ser irrelevantes. O autor cita Peter Drucker, o grande mestre da estratégia empresarial: “Não há nada tão inútil quanto fazer de forma eficiente algo que nem deveria ser feito.”

Pode parecer uma filosofia distante da realidade de pequenas empresas, mas não é, de forma alguma. Quando você for planejar a estratégia da sua empresa (eu sei que isso nunca aconteceu, mas coragem!) comece mapeando todos os esforços da sua equipe e veja o que precisa ser interrompido.

Um exemplo banal: passei treinamento em um posto de combustíveis em uma cidade turística do Rio Grande do Sul, no qual o gerente exigia que os frentistas ficassem alinhados, em posição ensaiada, aguardando os carros. Parecia uma formação militar. Os frentistas reclamavam do cansaço, queriam poder sentar um pouco. E os clientes, quando consultados, não entendiam aquele teatro, e também achavam que os frentistas ficariam exaustos naquela posição. Mas o gerente considerava aquela disciplina importante. Era importante na cabeça dele, mas irrelevante no faturamento da empresa e na percepção do público, além de um evidente entrave na satisfação dos funcionários.

Sendo assim, mais um detalhe: estratégia não é cortar aquilo que não é importante. Isso é o básico. Estratégia é cortar coisas importantes, mas que não estão alinhadas com o objetivo, com o foco da organização. É o que Napoleão falou: será que suas forças estão sendo usadas aonde elas são realmente necessárias?

É uma ideia que pode também orientar a sua vida: estratégia é abrir mão de coisas boas que, apesar de boas, não vão te levar mais longe. Já pensou, leitor, quanta coisa que você conserva deveria ser jogada fora?

quinta-feira, 8 de maio de 2014

O empresário limitado

Ultimamente tenho observado com mais atenção um momento crucial de diversos empresários: aquele em que ele chegou no limite, não possui tempo para mais nada. Consequentemente, o negócio chegou no limite de crescimento também, já que empresário e empresa se confundem. Explico.

Em geral esse empresário vive estressado, reclamando do governo, dos impostos, dos fornecedores, dos funcionários e dos clientes. Afinal de contas, ele lida com todos eles. Ele bate o escanteio e corre para cabecear. Ele contrata, manda, desmanda, carrega, negocia, paga. Passa o dia resolvendo problemas, apagando incêndios.

Ele não tem tempo para pensar no negócio, no mercado, no cliente, na estratégia. E a culpa não é de quem ele culpa: a culpa é toda dele. Para resolver esse problema, ele precisa desenvolver a capacidade de delegar.

Mas para pedir que outros trabalhem por ele e com ele, é necessário que ele tenha funcionários bons, talentosos. Só que esses seres raros vem com uma característica inata: a ambição. Logo, se a empresa não apresenta perspectivas futuras, eles vão embora. Talvez o empresário nunca conheça um deles, pois a sua empresa não é atraente. Ela é uma monarquia intocável. E dessa forma, o empresário vai precisar se conformar com os acomodados. Eles vão trabalhar, mas invariavelmente vão dar trabalho.

Quem cria um negócio precisa pensar em expandir. Demora para perceber (eu admito que também demorei), mas a expansão e a perspectiva de crescimento são as únicas maneiras de reter talentos.

E esses talentos também gostam de autonomia. Não diga a ele exatamente como agir: crie um ambiente para resolver problemas e facilitar a vida das pessoas e deixe ele atuar. Crie regras de meritocracia: os melhores precisam ser promovidos a sócios, a cargos estratégicos. Mas esqueça as promoções por tempo de serviço. Os talentosos não respeitam muito o tempo. Premie o resultado e eles vão levar você e a organização mais longe.

Por outro lado, não há nenhum pecado em manter o negócio pequeno, sob controle. Mas é preciso parar de reclamar e ter consciência de que isso tem consequências: uma empresa limitada que não vai conseguir atrair e reter pessoas excepcionais. Pode anotar: em 5 ou 10 anos, os problemas continuarão os mesmos (na melhor das hipóteses).

Lembre-se, empresário: os seus limites estão limitando a sua empresa. E a culpa é sua.