quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Democracia velha

Eleições: tempo de relembrar velhas máximas, daquelas absolutas. Por exemplo, é quando tentamos resolver problemas difíceis com soluções simples. Ou então, é quando fazemos de novo, a mesma coisa, do mesmo jeito, e esperamos por resultados diferentes.

Os candidatos trazem respostas simples para problemas difíceis. Nós, eleitores, acreditamos que o simples gesto de votar, ou o “exercício da democracia", é uma grande coisa para o futuro de todos. Sentimos o orgulho de apertar as teclas do “instrumento da democracia". Postamos no Facebook textos sobre o "voto consciente”. E aonde chegamos? Ou melhor: para aonde estamos indo?

Eu não tenho cacife para questionar o nosso jeito de fazer democracia. O que eu faço, de modo um pouco pedante, talvez, é observar e questionar esse mesmo discurso repetitivo de sempre. Há alguns anos a gente ouvia os clichês no rádio, na TV, ou os parentes e vizinhos discutindo política. Hoje, o debate é onipresente.

E a internet e as mídias sociais, que teoricamente deveriam nos deixar mais informados e com o poder de contribuir no debate, só pioraram as coisas. Muita informação ruim é desinformação também.

O que eu escuto há uns 20 anos é que o povo precisa votar melhor. E que não pode vender o voto. Deve "votar consciente" (Lei Seca para evitar o voto inconsciente!). Mas não tem adiantado muito. Até porque o povo não é muito de se informar. Em politica, ultimamente, quase todo mundo é desinformado. Somos ignorantes ou perdemos a esperança?

Na revista Veja do dia 28 setembro, o historiador belga David van Reybrouck sugere um mecanismo que parece novidade, mas que foi criado, segundo ele, na Grécia antiga: uma amostra representativa dos cidadãos é sorteada e fica estudando e debatendo durante algum tempo, até se familiarizar com o problema, e então decide em nome da população, de forma mais inteligente e consciente. Você cederia a esse grupo o direito de decidir por você? Ou você prefere que milhares (milhões) de cidadãos desinformados decidam o futuro de todos?

Eu não sei a resposta. Mas me anima pensar em algo que possa mudar o falido processo eleitoral, exercendo a democracia de um jeito diferente. Sabendo que não existem soluções simples para problemas difíceis. E que não adianta esperar resultados diferentes se fazemos as coisas sempre do mesmo jeito.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Feedback perdido

Prezado leitor: eu gostaria que você lembrasse de alguma vez que você teve que dar um conselho para alguém. Mas não vale alguma vez que você optou por sugerir algo: falo da obrigação de avaliar ou julgar outra pessoa. Foi simples?

Como professor, essa relação com alunos é constante. Na maioria das vezes o feedback é a nota da prova ou do trabalho. Mas a parte mais difícil é quando você precisa falar para alguém o que você acha do trabalho dela. Essa pessoa, na maioria das vezes, não vai diferenciar as coisas: ela vai achar que a crítica é pessoal.

Uma reclamação frequente de professores, gerentes e demais avaliadores é de que os subordinados (no bom sentido) não ouvem, não obedecem, não mudam. E então, todo o esforço da faculdade ou da empresa é para fazer com que os alunos ou funcionários escutem. Entendam. Obedeçam. Mas há um detalhe nesse processo: não é assim que as pessoas aprendem. Não é assim que as pessoas mudam.

Fico chocado em pensar quantas vezes eu e meus pares culpamos os alunos/funcionários por não entenderem. Somos nós, na verdade, que não entendemos muito o processo de comunicação, aprendizado e mudança.

E isso acontece em todas as interações. Em casa, por exemplo. Há quantos anos você aconselha e é aconselhado por parentes? Quantas vezes esses conselhos resultaram em alguma ação? Não significa que o conselho é ruim. O problema é que, de um lado, está a pessoa tentando ajudar, palpitando soluções. Do outro lado, está a pessoa com o problema. Um não compreende a realidade e a posição do outro.

Gosto da teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann, que, basicamente, prega que sistema fechados e diferentes (eu e você, por exemplo) não interpretam as informações da mesma forma. Temos nossas próprias crenças e referências. O que conseguimos é, de alguma forma, "perturbar" o outro sistema. E essa perturbação vem através do exemplo, da pergunta, da reflexão. Não vem da resposta pronta, que será entendida sabe-se lá como.

Da próxima vez que você for dar um feedback para alguém, não pense apenas no que você quer dizer. Pense na melhor maneira de fazer esse recado não ser ignorado. O bom e eficiente feedback é responsabilidade de quem comunica. Se você jogar a responsabilidade em quem recebe, dificilmente vai gerar mudança. 

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Uma homenagem equivocada

Há alguns dias, em uma formatura, prestei atenção na homenagem aos professores, lida por um aluno. Eu não estava prestando atenção em quase nada, mas essa leitura me trouxe de volta da Lua à cerimônia.

A propósito, formaturas são aquele tipo de evento difícil de explicar. Sempre a mesma coisa: discursos enormes, homenagens e protocolos. Um investimento financeiro considerável. Um ritual exaustivo, especialmente para os convidados (crianças e idosos então?). Horas passando calor, enquanto se espera o jantar, o baile, a cama. Já pensou se as formaturas fossem um espetáculo conciso e agradável?

Mas voltando à homenagem: basicamente, a mensagem lida era de que os alunos absorveram o conteúdo dos sábios professores. Entraram como folhas em branco e saíram como obras concluídas. 

Lamento informar, mas se você aprendeu só aquilo que ouviu em sala, vai ter que aprender muito mais. Além disso, pouca coisa se aprende ouvindo, lendo e fazendo prova. Infelizmente essa ainda é a maneira como as pessoas, alunos e pais de alunos, veem a faculdade: um local aonde vamos para receber conteúdo dos sábios.

E por isso, com razão, o professor é questionado. Não quero avaliar aqui a qualidade dos professores. Mas é preciso rever o papel do professor: ele era o dono da verdade no passado, antes da internet. Hoje o conteúdo está todo disponível para todos, é só vencer a preguiça. Nesse cenário, o papel do professor é outro: ele conduz o aprendizado. Avalia. Questiona. Orienta. Provoca. Indica. Mas ainda tem mestre escrevendo no quadro, lendo slide, fazendo trabalho em equipe para matar tempo.

Isso não acontece só na sua cidade. Acontece no Brasil e no mundo (mais no Brasil do que no mundo, basta olhar os rankings de desempenho). Comemoramos que estamos formando profissionais após 5 anos de repasse de conteúdo. O aprendizado, para acontecer, exige mais do que o modelo tradicional em que os alunos vão lá ouvir o que o professor tem para falar. Isso da para fazer em casa, no Youtube.

Essa homenagem aos professores na formatura deve ter sido escrita há 40 anos. Ela mostra a nossa visão errada de aprendizagem. Ou ainda: as formaturas chatas e demoradas resumem o nosso jeito atrasado de ensinar. 

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

A ajuda adicional

Há alguns dias, durante uma capacitação de gerentes (mais informações no meu site) um deles me contou uma história muito boa, e que foi marcante na formação comercial dele. Resumo o caso aqui.

Ele ainda era vendedor em uma loja de materiais de construção. E um senhor veio comprar tubos e conexões. Ele vendeu aquilo que o cliente pediu. Mas alguns minutos depois, o cliente voltou irritado e perguntou: "O que você está fazendo aqui? Por que não me falou que eu iria precisar de cola?" O cliente comprou a tal cola necessária para este tipo de material, e foi embora.

E assim ele aprendeu a lição: aquele cliente não queria apenas o encanamento. Ele queria uma solução completa para o que ele estava fazendo. E como descobrir isso? Em primeiro lugar, conhecendo o produto e o problema que ele resolve. E depois, investigando, perguntando, certificando-se de que, com aquela venda, o problema do cliente será resolvido.

É cliché em vendas falar sobre venda adicional. Acredita-se que isso é coisa de vendedor esperto, para ganhar mais comissão. Falamos da venda adicional apenas do ponto de vista do lucro. Esquecemos que podemos, sim, vender mais, resolvendo mais problemas, ou como no caso, todo o problema. Vendas adicionais podem ser vistas do ponto de vista da ajuda.

Por isso truques de venda não funcionam enquanto não se orienta a mentalidade do vendedor. Ele precisa entender que o papel dele é a orientação, a ajuda. E não apenas pegar na prateleira o que o cliente pede. Ou tirar pedidos. Ou tentar vender mais coisas para atingir a meta. 

E vale lembrar que a informação está toda disponibilizada. Em meia hora no Youtube você se torna, se quiser, especialista em qualquer produto. Num passado não muito distante, o especialista era sempre quem vendia. Hoje em dia, nem sempre. É preciso descobrir, caso a caso, como ser útil.

E essa ideia vale para qualquer profissão ou segmento de atuação. O prestador de serviços precisa ter a mentalidade da ajuda, através da curiosidade em entender a situação do cliente.

Resumindo: já pensou na quantidade de gente que não aproveita todo o seu potencial simplesmente porque você não está interessado? 

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O valor da experiência

Há alguns dias fui a um casamento. Enquanto a cerimônia não começava, fiquei observando o ambiente e pensando no que eu faria para tornar mais marcante a experiência dos convidados.

Caminhei pelo salão, curioso, e observei vários quadros e fotos dos noivos. Um caderno de recados em uma mesa com objetos antigos (não entendi o significado). Outra mesa legal com café e bolachas. E a mesa do bolo falso e dos docinhos. Mas todos separados, deslocados. Também não se sabia aonde era o banheiro, foi preciso descobrir.

Imaginei um caminho para a chegada dos convidados, como uma fila, pela qual todos passariam para entrar no salão. E onde todos veriam tudo que os noivos queriam mostrar. Quem sabe uma introdução à cerimônia, tornando claro aquilo que eles queriam que fosse visto. Uma experiência.

Obviamente olhei o evento com os olhos de um cliente consumindo um serviço. Não era o caso, mas o empresário astuto já percebeu aonde quero chegar: quantas coisas queremos mostrar para as pessoas, mas não sabemos como. Ou melhor: achamos que estamos comunicando muita coisa, enquanto a maioria da informação passa despercebida, nem é notada.

A sugestão é obvia: a melhor maneira de organizar uma experiência é olhar tudo do ponto de vista de quem vai viver a experiência. De quem vai pagar por ela. O cliente, ou alguns clientes sinceros, deveriam ajudar a empresa a "decorar” a loja, o escritório, o consultório, ou qualquer espaço em que aconteça a entrega.

Lembro de certa vez, há muitos anos, quando visitei uma loja e percebi que a prateleira que ficava na entrada estava vazia. No outro dia voltei ao local e vi a mesma situação. E perguntei ao gerente o porquê do espaço vazio. Ele olhou e me disse: “Eu nem havia percebido." 

E então eu descobri que isso é normal. Nossa visão se acostuma ao ambiente, e não percebemos coisas que as pessoas de fora percebem instantaneamente. Isso também acontece com desorganização, sujeira. Ou com um ambiente muito chique, causando uma impressão de preço caro, por exemplo.

Criar uma experiência é organizar o ambiente de acordo com aquilo que o cliente busca. Ou ainda de acordo com aquilo que você quer mostrar: lembrando que, nesses casos, não há garantia nenhuma de que as pessoas irão apreciar sua arte.

Aprendemos com as experiências. O discurso costuma se perder.