terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A internet de todas as coisas

Em 2007, em alguma aula de marketing, alguém comentou que a convergência da tecnologia estava acontecendo no celular. Ninguém acreditou: o mais chique da turma tinha algo como um Motorola V3. O primeiro iPhone estava sendo lançado. No Brasil a tecnologia 3G era uma promessa. A novidade da época era um celular com som polifônico, que tocasse MP3. Logo, era difícil imaginar e acreditar que o aparelho celular seria o que é hoje: o principal meio de acesso à internet, com uma imensidão de aplicativos que fazem quase tudo.

O Brasil é o quarto país do mundo em número de smartphones (ou “celular inteligente”, com aplicativos e um sistema operacional para acessar a internet): 70 milhões de aparelhos. Estima-se que no mundo existam quase 7 bilhões de celulares – 40% deles ligados à internet.

Esse cenário difícil de vislumbrar há alguns anos, de ter a web no bolso (ou na bolsa), traz consequências difíceis de administrar. Mas primeiro, o lado positivo: você não precisa sentar no computador para acessar e-mails ou uma rede social. O lado negativo: quando você realmente precisa sentar e produzir, é difícil se concentrar.

Até aqui nenhuma novidade. Mas uma reflexão interessante: a mesma conectividade que facilita a vida aflige o usuário. Ele se considera um viciado, que está deixando de fazer coisas importantes porque está conectado demais. Eis o paradoxo: todo mundo quer ter um celular conectado e com diversos aplicativos. No entanto, essas mesmas pessoas se preocupam em diminuir a quantidade de tempo perdido. 

Desse paradoxo nasceu uma oportunidade e uma tendência para um futuro bem próximo: a “internet das coisas”, onde qualquer equipamento (automóveis, eletrodomésticos) estará conectado para economizar tempo e facilitar a vida das pessoas.

Hoje, se pararmos para refletir, “internet” é um conceito defasado. A internet é tudo, e ao mesmo tempo não é nada: é tudo porque (quase) tudo está conectado, e é nada porque ela não existe sem as ferramentas ligadas em rede. E a internet em si muda pouco: muda o meio, a banda, o alcance, crescendo de acordo com a demanda. Culpa nossa.

Alguém consegue imaginar um concorrente para a internet? Seria outra dimensão, outro planeta. Seria o nosso planeta offline, como era num passado distante, 15 anos atrás.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Outra rede social, outro filme

Dizem que o Twitter nasceu de uma grande ideia que Jack Dorsey, seu principal criador, teve ainda na infância. Quando o negócio vingou, ocorreram severas disputas entre os sócios, assim como na história do Facebook ou da Apple. Nos três casos, roteiros de cinema: de fato, só o Twitter ainda não virou filme.

Após disputas de poder entre os criadores, um episódio contribuiu para uma mudança radical na gestão do Twitter: o rapper Snoop Dog fez um show no refeitório da empresa. Os funcionários pulavam sobre as mesas, enquanto o cantor animava a festa e fumava maconha. O novo e profissional presidente do microblog, Dick Costolo, ficou indignado e afirmou que aquilo nunca mais poderia acontecer. E que estava na hora do Twitter crescer.

Desde então, o número de usuários dobrou (550 milhões, aproximadamente metade usuários ativos), a receita com publicidade e o número de funcionários aumentou dez vezes (meio bilhão de dólares por ano e 2.300 colaboradores). Em novembro, o Twitter estreou na Bolsa de Nova York valendo USS 26 bi. (A propósito, quanta gente já havia decretado a morte do Twitter?)

Ou seja: essa visão romântica de que empresas de tecnologia enriquecem rápido e sem compromisso é ingênua. O começo pode ser num quarto, numa garagem, de qualquer jeito: mas a expansão e a longevidade obviamente exigem profissionalização. E curiosamente, para sobrevirem, essas empresas modernas acabam se tornando empresas tradicionais.

Assisti a uma palestra de Dorsey na feira de varejo da NRF (National Retail Federation). Ele falou pouco sobre o Twitter, falou mais sobre seu novo negócio (criado em 2009) totalmente voltado para o comércio: a Square, empresa de tecnologia de pagamentos através de tablets e smartphones. Jack Dorsey destacou como as tecnologias existentes podem facilitar a vida das pessoas e das empresas. Isso também é inovação, e nasce da combinação de ferramentas – não necessariamente da criação de algo novo ou revolucionário. 

Concluindo: o problema de filmes que contam histórias de sucesso como a de Steve Jobs (o fraquinho “Jobs”, mesmo que bem interpretado por Ashton Kutcher) ou a de Mark Zuckerberg (o excelente “A Rede Social”, do diretor David Fincher) é a quantidade de gente que se ilude. Tudo parece muito simples: bastaria uma grande ideia para alcançar fama e fortuna. Essa perspectiva de sucesso encanta, e os incautos passam a vida esperando a inspiração que não chega.

Melhor ouvir o próprio Dorsey, e tentar trabalhar melhor utilizando as ferramentas que a gente já tem. 

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

The End

A história é verídica: há uns dez, quinze anos, um rapaz, notório encrenqueiro, estava causando problemas em algum baile aqui do oeste. Até que um senhor de certa idade apontou-lhe uma arma: dizem que ele travou (e até algo mais) de medo. E aquele idoso teria dito algo assim: “Depois que inventaram o trator e a pólvora, não precisa mais fazer força.” A confusão acabou nessa ameaça e ninguém ficou ferido. Dizem.

Outro fato verídico, que ganhou notoriedade em todo o país no final de 2013: no Teste de Habilidades Específicas (THE) da Polícia Militar da Bahia, dois soldados morreram após percorrer 10km de corrida. Eles completaram o trajeto vestindo fardamento e coturno. 

O THE, além dessa corrida de 10 km, inclui transposição de muro, subida no cabo vertical, transporte de carga, deslocamento em meio líquido, flutuação e apneia na água. 

Será que um policial militar precisa ter esse treinamento semelhante ao do exército de Israel? A mim me parece que o essencial é treinamento psicológico para os nossos policiais.

Ainda mais porque a nossa guerra é diferente: ele vai precisar, por exemplo, conter manifestantes sem ser violento. Vão cuspir na cara dele, ele vai ouvir desaforos, mas precisa manter a calma. Se reagir de alguma forma um pouco mais coercitiva, corre o risco de ser achincalhado pela sociedade politicamente correta, além de ser punido no batalhão. Nosso policial também vai precisar apreender homens de 17 anos e trata-los como crianças que não são.

Lá no baile aquele senhor passou o seguinte recado: com uma arma na mão, qualquer um pode ser valente. Não importa mais a diferença física, como nas batalhas de antanho. Davi está armado para valer, e Golias sabe disso.

Mas o que aquele senhor quis dizer ao mencionar o trator? Acredito que aproveitou para exaltar, além da coragem, sua origem humilde, de trabalhador rural. Além disso, não deu apenas um, mas dois exemplos de que a vida moderna exige habilidades cognitivas, e não apenas força. Nas ruas e nas empresas.

Peço desculpas ao caro leitor se exagero na comparação, mas a morte dos soldados pode servir como reflexão para nossas atividades diárias: quanta coisa desnecessária exigimos dos outros e de nos mesmos? Queremos guerreiros implacáveis, mas as guerras são raras. Para as batalhas diárias, precisamos de pessoas gentis e com muita paciência. Nas ruas e nas empresas.