segunda-feira, 31 de março de 2014

O drama do bom atendimento

Caro leitor: vou contar um pedacinho da minha história profissional. É necessário para que você entenda um certo drama profissional que eu enfrento.

Durante quase dois anos fui diariamente instrutor de treinamentos de atendimento ao cliente. Trabalhava em postos e lojas Petrobras de todo o Brasil. Depois, quase durante, comecei a dar aulas de marketing e gestão, o que também já faço há dois anos. Eventualmente ainda trabalho como instrutor. O trabalho que invisto no momento é de consultoria empresarial. Sou consultor de inovação credenciado no Sebrae/SC.

Dito isso, lá vai a situação atual: como tenho uma relativa experiência como instrutor, sou convidado para ministrar treinamentos de atendimento ao cliente. E eis o meu drama: como fazer para ensinar pessoas a atender bem? Para ao menos tentar, é preciso responder primeiro: o que é atender bem?

Ser bem atendido é relativo. O que é bom para mim pode não ser bom para você. Se eu entro em uma loja e sou importunado pelo vendedor, me considero mal atendido. Mas conheço pessoas que exigem atenção dentro da loja. Eu, particularmente, tenho medo de ser abordado por vendedores. Invento desculpas, falo que vou pensar e vou embora da loja. A não ser, obviamente, que a loja possua um balcão e que eu precise resolver algum problema.

Ou seja: a satisfação, consequência também (mas não apenas!) do bom atendimento, é subjetiva. Por isso, quando sou convocado para treinar equipes, tento tornar essa instrução o mais tangível possível. E o que me ajuda muito nessa tarefa é um estudo que pesquisadores de Harvard publicaram há alguns anos. Segundo a pesquisa, o que faz um cliente ser fiel a sua empresa é ter seu problema resolvido com o mínimo de esforço possível.

Quando um gerente fala para sua equipe “Vamos atender bem!”, ou “Vamos superar expectativas!”, ou ainda “Vamos encantar o cliente!”, o que ele está querendo dizer? Será que todos os vendedores vão entender a mensagem da mesma maneira? Por isso minha orientação tenta ser mais palpável: vamos resolver problemas. Vamos reduzir tempo de espera. Vamos evitar esforço físico. Vamos reduzir dúvidas com informação.


A prática mostra que esse é o melhor caminho. O nobre leitor que já foi muito bem atendido, mas não teve seu problema resolvido, sabe do que eu estou falando. E quem sabe compreenda o drama maior: como treinar alguém para atender bem em uma empresa caótica.

quinta-feira, 20 de março de 2014

A resposta tecnológica

Qual é o grande problema de Floripa? O trânsito. É assustador observar o fluxo de veículos entre a ilha e o continente. Você repara nos carros congestionados e percebe que a maioria dos veículos leva só o motorista. Uma rotina de agonia solitária.

Logo, qual seria a solução deste problema? A resposta é padrão: meios de transporte mais eficientes. Anel viário. O metrô. Quem sabe algo que ande sobre as águas. Precisamos, enfim, pensar em um jeito mais rápido de transportar pessoas, certo? Pode ser. Mas aí surge uma questão ignorada: será que todas as pessoas precisam mesmo se locomover?

Com a tecnologia atual, muitos tipos de trabalho, por exemplo, perderam a necessidade do deslocamento. Continuamos indo e vindo por causa do hábito burocrático, da resistência às mudanças.

Pense no funcionário público que trabalha fechado numa sala das 8 às 18, em frente ao computador. Ele não poderia desempenhar suas funções em casa? 

Uma ideia: imagine uma amostragem de 5 funcionários públicos da burocracia (em diversos casos um pleonasmo, certo?). Cada um tem sua mesa. Elimine quatro dessas mesas. Na mesa que sobra, será feito rodízio. Cada um trabalha no espaço físico uma vez por semana. O resto do trabalho é feito em casa. Ele será avaliado pelos resultados, e não pela frequência irrelevante.  É um começo. É o futuro.

O que seria mais eficiente em Florianópolis: construir mais uma ponte ou investir em internet rápida e premiar a empresa que movimenta menos sua equipe? Detalhe: uso aqui o trabalho remoto como exemplo, mas o cenário poderia ser o comércio ou a educação.

Parênteses: não vamos criticar só os governos por procurar respostas corretas para perguntas erradas. Será que você não está se perguntando por que não encontra a pessoa certa, quando na verdade a pergunta seria, digamos, por que você precisa desesperadamente de alguém para tentar viver melhor? Ou então, você se pergunta como aproveitar melhor o seu tempo livre (a noite e nos finais de semana) quando deveria estar se perguntando, digamos, por que você trabalha há tanto tempo numa empresa que empata sua vida? Será que é do ser humano insistir em perguntas erradas?

Enfim, escolha aí o problema mundial e elabore a questão: mobilidade, poluição, alimentação, superpopulação, o apocalipse.  A resposta não muda: só a tecnologia pode salvar o mundo.

quarta-feira, 12 de março de 2014

As métricas de vaidade

Pode ser nos negócios, na vida profissional e até na vida pessoal: é preciso tomar cuidado com as métricas de vaidade. Métricas são as medidas que utilizamos para medir desempenho. Métricas de vaidade, por sua vez, são resultados que podem parecer sucesso. Mas nem sempre (ou quase nunca) são confiáveis.

Será que uma empresa que não tem nenhuma reclamação é uma empresa eficiente? Ou os consumidores estão simplesmente indo embora calados e resignados? Será que os elogios que você ouve são sinceros? Ou a pessoa elogia porque teme a maneira que você reagiria ao ser criticado? Será que um monte de curtidas no Facebook significam um bom conteúdo? Ou é você que implora e apela para ser curtido?

Outro exemplo, que originou este texto: os amistosos que a seleção brasileira vem jogando servem para quê? Eles deveriam servir para preparar e testar o time para a copa do mundo. No entanto, a seleção brasileira prefere, com raras exceções, enfrentar adversários fracos. É como ir a escola e fazer uma prova fácil, em dupla e com consulta.

No dia 5 de março o Brasil enfrentou a África do Sul. O resultado foi o esperado: 5 a 0. A África do Sul nem vai jogar a próxima Copa. No mesmo dia a França enfrentou a Holanda e a Espanha jogou contra a Itália. Fora a Espanha, última campeã, todos os times passaram por duras eliminatórias para conseguir vaga na Copa. O Brasil não precisou jogar as eliminatórias por ser o país sede. O único alento ao torcedor é que o time respondeu bem na Copa das Confederações do ano passado. 

Não entendo muito de futebol, mas vejo nesse fato algo cultural. Adoramos enganar a torcida. Adversários fracos são (geralmente) facilmente batidos, e a equipe vencedora não é muito questionada. Enfim, várias métricas de vaidade: aplausos, goleada, boas atuações. Pergunta: até que ponto esses resultados representam a realidade?

Se você não passar por provações não poderá corrigir erros. Um teste fácil não vai apontar seu desempenho. Vale para a faculdade, para competições, vale para a vida. 

A propósito, os próximos adversários da seleção brasileira em amistosos serão Panamá e Sérvia. E depois vem a Copa.

quinta-feira, 6 de março de 2014

O bom pessimista

A autoajuda é um mercado bilionário de livros, vídeos e palestras. Seu conteúdo básico é o otimismo, o pensamento positivo. Você precisa acreditar que as coisas vão dar certo no futuro. Você precisa, na mais surrada das lições, enxergar o copo meio cheio, e não falar que ele está meio vazio. Mesmo que ele de fato esteja.

Para o otimista por natureza a autoajuda até funciona. Para alguém com problemas sérios, cético e desconfiado, a autoajuda pode piorar as coisas. Acreditar que uma força superior vai fazer com que tudo de certo no final pode apenas antecipar a catástrofe, gerando ansiedade e problemas na autoestima. A questão foi tema de uma boa matéria da revista Época (17 de fevereiro).

O manual do otimista diz que ele precisa ter metas, objetivos, causa, missão. Ninguém questiona a importância do foco, mas tornar esses propósitos uma obsessão pode fazer você ignorar coisas importantes e nem perceber o que acontece ao seu redor. E aqui entra em cena o bom pessimista: ele tem foco, mas sua preocupação está nas fatalidades do caminho que ele percorre.

Esse pessimista precavido não ignora as piores hipóteses. Ele percebe que a situação poderia ser pior do que já é e, resignado, volta ao trabalho. Vislumbrar um futuro sombrio é uma maneira eficaz de estar preparado para quando este futuro chegar. Se você sabe que ele está vindo (e você sabe!), por que se iludir imaginando que tudo vai dar certo? Por que essa ansiedade que ignora a realidade e insiste em divulgar pensamentos positivos no Facebook?

Talvez a mais cruel consequência do otimismo é a motivação, abordada neste espaço há alguns dias. Nos tornamos otimistas preguiçosos que precisam de motivação para estudar e trabalhar. Ser um bom pessimista, quem sabe, é saber simplesmente ignorar a falta de vontade.

Lembro de uma senhora que trabalhava comigo que, ao final de uma palestra motivacional com um mágico, abordou-o lacrimejando e falou: “A gente precisaria de uma palestra assim toda a semana!” A pobre sabia que, no dia seguinte, estaria sentada num espaço escondido de uma empresa caótica. E que no máximo em cinco dias a realidade consumiria a dose de otimismo que acabava de adquirir. O palestrante picareta sorriu.

Enquanto você sonha com a paz de espírito e com a alma gêmea, a vida passa e você esquece do que precisa ser feito. Não há final feliz esperando por você – e não se iludir sobre isso é um bom caminho para uma vida menos passiva e mais produtiva.