sábado, 29 de setembro de 2012

O dia de quem é Miguel


Certa vez, em um treinamento no Rio Grande do Sul, conheci um senhor chamado Miguel Arcanjo. No cadastro dos alunos percebi que ele fazia aniversário no dia 29 de setembro, mesmo dia que meu pai. E eu fiquei surpreso: “Que coincidência! O senhor faz aniversário no dia do meu pai, e tem o mesmo nome do meu pai!”

Até então eu não sabia que dia 29 de setembro é o dia de Miguel Arcanjo, ou São Miguel, suposto líder do exército divino contra as forças do mal. E aquele senhor do treinamento, decerto filho de pais católicos, recebeu o nome por ter nascido no dia do santo. Meu pai também recebeu o nome por esse motivo, mas isso eu também não sabia.

Na época fiquei encantado com a aparente coincidência. Só quando fui contar para alguém sobre aquele fato incrível fui alertado sobre o dia do Santo. Aceitei a explicação, resignado. Aquele senhor deve ter percebido na hora que eu não imaginava que a maioria dos que se chamam Miguel deve ter nascido no dia 29 de setembro. Mas foi gentil e não quis estragar a coincidência que o professor havia encontrado. As estatísticas são a água no chope das coincidências.

Dia 29 de setembro é feriado na cidade onde eu moro, pois o município também homenageia o Arcanjo. Miguel é também meu nome, porque minha mãe insistiu em homenagear meu pai. Percebe-se assim que nenhum fato envolvendo esse nome é capricho do destino. E não deixa de ser triste perceber que as coincidências que colorem a vida, em geral, resultam apenas da ignorância e da falta de informação.


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O empresário em versos


O poeta Ferreira Gullar, 82 anos, concedeu entrevista arrebatadora à revista Veja (edição de 26 de setembro). Numa conversa de incrível concisão e lucidez, o poeta manifesta opiniões atuais e relembra episódios dramáticos, como o fato de ter dois filhos esquizofrênicos, um deles já falecido.

O comunista de antanho se mostra desiludido com o socialismo, e reconhece no capitalismo não o sistema ideal, mas o inevitável. O capitalismo seria uma fatalidade irremediável, fruto da natural ambição humana. Um sistema deveras injusto, sim, mas injusto como a natureza, já que “um nasce inteligente, outro burro. Um nasce atlético, outro aleijado”. Justiça, em ultima análise, é uma invenção humana, conclui o autor.

O poeta atesta ainda que a inspiração é prejudicada pela velhice. Com a idade você se espanta menos – logo, se inspira menos. O que resta é a técnica, e o velho poeta insiste em escrever, mesmo sem o espanto arrebatador (menos ele, que lançou apenas dois livros nos últimos 25 anos). O resultado desse trabalho forçado seria a inevitável mediocridade. (Eis uma explicação aceitável para a decadência do mestre Dalton Trevisan, hoje com 85 anos: nos últimos tempos, lamentavelmente profícuo e medíocre.)

E a justificativa para lembrar Ferreira Gullar nestas linhas é este trecho da entrevista: “O empresário é um intelectual que, em vez de escrever poesias, monta empresas”. Será mesmo que o trabalho de produzir e vender se compara ao labor do verso? Vejamos:

“À vida falta uma parte
- seria o lado de fora -
para que se visse passar
ao mesmo tempo que passa
e no final fosse apenas
um tempo de que se acorda
não um sono sem resposta.
À vida falta uma porta”.



quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Os jovens que entendem


Uma pesquisa do projeto Riologia detalha o comportamento dos adolescentes e jovens entre 13 e 17 anos. Quase metade deles (pelo menos nos grandes centros) é da geração que evoluiu nos moldes da web 2.0: a internet compartilhada e onipresente, das redes sociais e da produção de conteúdo pelo usuário. Por analogia, "jovens 2.0".

Talvez o dado mais relevante da pesquisa: a estrutura familiar tradicional (a família das propagandas de margarina) perdeu o sentido para 60% deles. Ao entrevistar pouco mais de 600 jovens, os pesquisadores encontraram 49 (!) modelos diferentes de convívio familiar: um vive só com a mãe, outro com a mãe e o padrasto, outro com o pai e o companheiro do pai, etc.

Detalhe importantíssimo: os jovens, entretanto, compreendem esse cenário, e consideram que uma família estruturada está baseada nas relações de afeto, e não no simples fato de o pai e a mãe morarem juntos (a guerra conjugal de Dalton Trevisan e Nelson Rodrigues).

Esta é também uma geração que atrela o real ao virtual: por exemplo, conversar pela internet com o pai distante é também considerada uma relação de afeto (tente explicar isso a uma senhora de idade).

Essa nova maneira de pensar e viver se reflete no comportamento desses consumidores, mais críticos e colaborativos. Eles também são decisivos nos momentos de compra: a quantidade de informação à qual possuem acesso é referencia para a família em aquisições de produtos e serviços. Alem disso, são eles quem apresentam as novidades e as críticas para os familiares – cenário impensável há algumas décadas, quando estava à mesa o patriarca provedor, dono inconteste da verdade.

Desafio para os pais e para as empresas: entender essa geração sem utilizar critérios defasados de interpretação.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Cair por mais ou buscar por menos


Num dos textos mais comentados do mês no blog da Harvard Business Review, o autor Greg McKeown descreve o “paradoxo da clareza” (aqui, em inglês). Este paradoxo explicaria o motivo de pessoas bem sucedidas não se tornarem pessoas muito bem sucedidas.

Eis as 4 fases do paradoxo:
Se temos clareza de propósitos, atingimos o sucesso;
Quando atingimos o sucesso, aparecem novas opções e oportunidades;
Quando se aumentam opções e oportunidades, nossos esforços ficam difusos;
Esforços difusos acabam com a clareza que levou ao sucesso no primeiro momento.

Jim Collins aborda a mesma questão no livro How the Mighty Fall (Como os gigantes caem): empresas crescem, e as novas oportunidades decorrentes do sucesso atingido geram a perda do foco inicial. Ocorre assim a tal indisciplinada busca por mais. Segundo os autores, essa falta de disciplina na busca por um sucesso cada vez maior é a causa do fracasso de quem já é grande – tanto empresas quanto pessoas.

E como fazer para evitar essa derrocada? Segundo Mckeown, precisamos empreender uma busca disciplinada por menos. Precisamos optar por aquilo que realmente importa e ter a coragem de abandonar oportunidades e antigas idéias – mesmo que sejam boas.

Pense no valor que um objeto adquire quando você cogita se livrar dele: pode ser um livro que está há anos parado na estante, ou uma roupa que você não usa mais, ou um relacionamento que perdeu a graça. A simples hipótese de se desfazer aumenta o valor daquilo que está em desuso. Esse sentimento confuso sobre a relevância e a importância do que você possui é responsável pelo acúmulo de coisas antigas, que impedem a ascensão do que é novo. 

Com nossas idéias acontece a mesma coisa: elas não tem data para expirar. Projetos antigos permanecem em pauta, atrapalhando os novos. Por isso você precisa definir um rumo e eliminar o que foge do seu foco. Se você não fizer isso, irá se sentir frustrado, por não concluir coisas que começou.

Dói jogar fora, mas não tem outro jeito: o único antídoto contra o paradoxo da clareza é a busca disciplinada por menos.


segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A do câncer, por favor!


Assim como nas embalagens de cigarro, um projeto de lei do deputado César Halum (PSD-TO) pretende exigir que as bebidas alcoólicas também exibam imagens em seus rótulos. As imagens seriam de situações provocadas pelo uso abusivo do álcool.

Antes dos comentários, uma breve história, relatada por Bill Lee no texto Marketing is Dead (aqui, em inglês), no blog da Harvard Business Review.

Nos já longínquos anos 90, o estado da Florida, nos EUA, percebeu que precisava agir: durante décadas suas campanhas antitabagismo não estavam surtindo efeito, e o consumo de cigarro por adolescentes atingia níveis alarmantes. Para alguns, esse era um problema sem solução.

O que a Florida fez? Convocou líderes estudantis, atletas e cool kids (os adolescentes populares) para tentar encontrar uma alternativa às ações inócuas de conscientização. Eles humildemente pediram o apoio dos adolescentes escolhidos (aproximadamente 600, todos considerados formadores de opinião).

Durante as conversas, os jovens apontaram uma revelação que, segundo eles, seria de extremo impacto no público-alvo (eles mesmos): um relatório que demonstrava a intenção das companhias de tabaco de conquistar o público jovem, repondo clientes que já haviam morrido de câncer no pulmão e demais consequências do vício.

Os jovens então organizaram mutirões e workshops, e criaram camisetas no esforço direcionado de conscientização (a ideia: se quem é popular usa, eu também quero uma!). O resultado foi a mais bem sucedida campanha contra o tabaco de todos os tempos: o numero de adolescentes fumantes caiu pela metade entre 1998 e 2007 (Eis o que significa, caros alunos, “entender” o cliente).

E no Brasil, o que faremos? Além de ignorar as estatísticas, que mostram a ineficiência das ilustrações medonhas das carteiras de cigarro, vamos também estampá-las nos rótulos das bebidas.

O Marketing tem sido tratado assim também nas empresas: ações aparentemente impactantes, mas com efeitos pífios. E como não medimos resultados, avaliamos a qualidade de uma ação de acordo com a sua suposta criatividade.

Criativo é o consumidor que, ao pedir uma carteira de cigarros ao balconista, não aceita aquela com a foto que ilustra a impotência sexual. Pode ser a do câncer, por favor.