quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A Produção Artística


(Uma vida cheia de caminhos mas, aparentemente, sem atalhos. Ou é você que não os vê, cego que não quer ver? Sempre, ao final percebe, optou pelo trajeto mais difícil, mais triste. E, o pior, mais longo).

*

Era um filme sobre alguém considerado brilhante. Ele não tinha um objetivo, mas sobrava determinação para fazer o que fosse preciso. Sou o contrário, pensei na hora: não tenho determinação, mas tenho objetivo. Só não tenho certeza a respeito desse objetivo: trata-se de algo natural, inconsciente, no entanto turvo (nesse instante percebo que a luz do teto está fora de foco. O caderno, minhas mãos e a caneta centralizados, todos próximos, em foco. Uma gravura do lado direito e o guarda-roupas do lado esquerdo, desfocados. E eu escrevendo de maneira mecânica. Um enquadramento perfeito, uma bela maneira de começar um filme. Stanley Kubrick o faria).

Explico: ando carecendo de criatividade. Realmente, eles tem razão: a verdadeira arte vem da tristeza. E, acredite, eu sei o que é arte! Mas a tristeza, apesar de prolífica, tem muitas desvantagens: você não come ninguém, você não ri com seus amigos, você não se diverte com o cachorro, você não joga conversa fora, você não cumprimenta um estranho na rua. Quando feliz, no entanto, você sente que precisa produzir algo que transcenda a alegre rotina. Esse sentimento é a necessidade da arte, e lhe dá origem.

Mas como mencionado, arte e tristeza (ou desconsolo, angústia, solidão e derivados) andam juntas. E o que eu faço? Em momentos difíceis, tento produzir algo. Na alegria, tento esquecer ou ignorar essa necessidade. Tento conciliar, mas sempre temendo a proximidade do sentimento oposto. É como o verão que esfria em março. Ou melhor, sou o amante que teme a chegada do marido da esposa infiel, e sou também o marido iludido. Ou melhor, que se ilude, cego porque não quer ver. Sou um ou o outro, de acordo com os astros, ou algo interno, ou algo maior, algo que realmente transcende.

Só não gosto de pensar que sou um ou outro em função de substâncias e reações químicas que afetam meu cérebro e mudam e influenciam meu jeito de ser e sentir. Isso sim é demasiadamente triste. E sendo triste, produzo.