quinta-feira, 3 de julho de 2014

O vendedor é um estranho

Em cidades pequenas o problema endêmico da violência não costuma existir. Pessoas são relativamente mais livres de assaltos, por exemplo, seja em locais de grande ou de pouca circulação. O único local onde as pessoas precisam cuidar para não ser assaltadas é dentro de algumas lojas – em geral, redes enormes, de cultura de venda agressiva, igual acontece... nos grandes centros.

Estou exagerando? Então converse, leitor, com quem já trabalhou em grandes redes de lojas e pergunte como é, por exemplo, o treinamento de vendas. Ou então dê uma rápida busca no assunto, e você vai encontrar matérias como essa, do G1: “Em um dos casos, uma senhora que havia comprado diversos produtos percebeu, ao chegar em casa, que havia adquirido também um seguro de vida e um seguro para trabalhadores sem renda. A senhora era aposentada.”

Na mesma matéria, o diretor de Proteção e Defesa do Consumidor do Procon, Amaury Oliva, comentou: "Muitas vezes, o seguro entra no parcelamento e o consumidor nem percebe. Ainda assim, são serviços caros, embutidos na compra de um eletrodoméstico, de um celular, sem que tenha sido solicitado, ou que o consumidor precise dele."

Há alguns dias fui questionado na sala de aula sobre o que um vendedor deve fazer quando não concorda com essas políticas agressivas de venda. Eu não tenho dúvidas: deve sair o quanto antes. Isso acontece com frequência: os valores do funcionário e da empresa não combinam. E uma das partes passa a tolerar os desmandos da outra.

Digamos que, como eu, você foi educado para sempre respeitar os mais velhos, não importa quem ou como eles sejam. Daí uma senhora entra na loja em que você trabalha, e você fora orientado a insistir para o cliente parcelar a compra em 24 vezes, para que a loja possa cobrar juros. E você também foi orientado a “embutir” (termo técnico do varejo cruel) garantia estendida e algum tipo de seguro sempre que for possível. E além disso você trabalha com uma meta obesa cutucando suas costelas. O que você vai fazer: engolir a presa ingênua e indefesa? Ou encontrar o que a pessoa precisa e resolver o seu problema, da maneira que você gostaria que fizessem com a sua mãe? A decisão moral é sua, vendedor, e não da sua empresa.

Como é boa a vida em cidades pequenas. A paz das ruas compensa a escassez de cultura e entretenimento. Deixe seu avô e seu filho andarem tranquilos pela cidade. Mas oriente que eles não entrem desacompanhados em algumas lojas. E que não aceitem supostos benefícios de vendedores estranhos.

Eu sou ingênuo e tenho um sonho: as pequenas empresas familiares fazendo diferente, humanizando a relação comercial.