O poeta Ferreira Gullar, 82 anos, concedeu entrevista arrebatadora à
revista Veja (edição de 26 de setembro). Numa conversa de incrível concisão e
lucidez, o poeta manifesta opiniões atuais e relembra episódios dramáticos,
como o fato de ter dois filhos esquizofrênicos, um deles já falecido.
O comunista de antanho se mostra desiludido com o socialismo, e
reconhece no capitalismo não o sistema ideal, mas o inevitável. O capitalismo
seria uma fatalidade irremediável, fruto da natural ambição humana. Um sistema deveras
injusto, sim, mas injusto como a natureza, já que “um nasce inteligente, outro
burro. Um nasce atlético, outro aleijado”. Justiça, em ultima análise, é uma
invenção humana, conclui o autor.
O poeta atesta ainda que a inspiração é prejudicada pela velhice. Com a
idade você se espanta menos – logo, se inspira menos. O que resta é a
técnica, e o velho poeta insiste em escrever, mesmo sem o espanto arrebatador (menos
ele, que lançou apenas dois livros nos últimos 25 anos). O resultado desse
trabalho forçado seria a inevitável mediocridade. (Eis uma explicação aceitável
para a decadência do mestre Dalton Trevisan, hoje com 85 anos: nos últimos
tempos, lamentavelmente profícuo e medíocre.)
E a justificativa para lembrar Ferreira Gullar nestas linhas é este
trecho da entrevista: “O empresário é um intelectual que, em vez de escrever
poesias, monta empresas”. Será mesmo que o trabalho de produzir e vender se
compara ao labor do verso? Vejamos:
“À vida falta uma parte
- seria o lado de fora -
para que se visse passar
ao mesmo tempo que passa
e no final fosse apenas
um tempo de que se acorda
não um sono sem resposta.
À vida falta uma porta”.