quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O empresário em versos


O poeta Ferreira Gullar, 82 anos, concedeu entrevista arrebatadora à revista Veja (edição de 26 de setembro). Numa conversa de incrível concisão e lucidez, o poeta manifesta opiniões atuais e relembra episódios dramáticos, como o fato de ter dois filhos esquizofrênicos, um deles já falecido.

O comunista de antanho se mostra desiludido com o socialismo, e reconhece no capitalismo não o sistema ideal, mas o inevitável. O capitalismo seria uma fatalidade irremediável, fruto da natural ambição humana. Um sistema deveras injusto, sim, mas injusto como a natureza, já que “um nasce inteligente, outro burro. Um nasce atlético, outro aleijado”. Justiça, em ultima análise, é uma invenção humana, conclui o autor.

O poeta atesta ainda que a inspiração é prejudicada pela velhice. Com a idade você se espanta menos – logo, se inspira menos. O que resta é a técnica, e o velho poeta insiste em escrever, mesmo sem o espanto arrebatador (menos ele, que lançou apenas dois livros nos últimos 25 anos). O resultado desse trabalho forçado seria a inevitável mediocridade. (Eis uma explicação aceitável para a decadência do mestre Dalton Trevisan, hoje com 85 anos: nos últimos tempos, lamentavelmente profícuo e medíocre.)

E a justificativa para lembrar Ferreira Gullar nestas linhas é este trecho da entrevista: “O empresário é um intelectual que, em vez de escrever poesias, monta empresas”. Será mesmo que o trabalho de produzir e vender se compara ao labor do verso? Vejamos:

“À vida falta uma parte
- seria o lado de fora -
para que se visse passar
ao mesmo tempo que passa
e no final fosse apenas
um tempo de que se acorda
não um sono sem resposta.
À vida falta uma porta”.