quinta-feira, 12 de março de 2015

Uma senhora subindo o morro

Eu moro numa cidade pequena. Um dos meus trabalhos é entender pequenas empresas de cidades pequenas.

Estou na sacada do meu apartamento. É sexta-feira, fim da tarde. Tomo café com leite, sem açúcar. O início da noite é o meu horário preferido do dia.

Uma senhora passa na rua do meu prédio com um galão de 5 litros de água na mão esquerda. Na mão direita, uma sacola de plástico grande. E uma bolsa no ombro. O peso parecia equilibrado. Levava, imagino, pelo menos uns 9 quilos em compras (contando a água).

A rua em que ela passava é levemente inclinada. E uns 50 metros adiante começa um morro que não acaba nunca se você está à pé. Deve ter uns 300 ou 400 metros de extensão.

Eu imaginei o plástico do galão de água castigando a palma da mão esquerda. Quem já carregou um desses sabe que a alça não é nada anatômica. Eu imaginei a sacola plástica pesada grudando na mão direita, entupindo os poros. Imaginei também a alça da bolsa incomodando o ombro. Não consigo ver o morro da minha sacada, mas me pergunto: será que ela teve que parar, colocar a água e a sacola no chão, trocar a bolsa de ombro, pegar a água com a mão direita, a sacola com a esquerda e seguir viagem?

Essa senhora mora numa cidade pequena. O pequeno mercado em que ela comprou fica a, no máximo, 2 ou 3 quilômetros de distância da casa de qualquer cliente – a cidade é pequena. Seria absurdo alguém da loja se oferecer para levar a mulher até em casa?

Mas estamos preocupados com os custos: imagine, dirá o gerente, ter que gastar gasolina para levar cada cliente que não tem um carro? É do mesquinho aumentar o problema e arrumar uma desculpa antes de refletir. Ou ele vai dizer que é proibido transportar passageiros. Ele conhece a lei que lhe convém, mas desconhece uma gentileza eventual. E esse mesmo gerente é o que reclama que o consumidor só olha o preço. E ele, pensa em algo além dos custos financeiros?

A tendência é uma loja com mais tecnologia? Pode ser, mas eu acho que a tendência é voltar ao passado: chamar pelo nome, saber o que a pessoa gosta e precisa, fazer amigos. E eventualmente oferecer uma carona até em casa. Seria um momento interessante para conhecer o cliente, trocar ideias e transformar um estranho em um parceiro de longo prazo.

Essa senhora, subindo o morro à pé no final do dia, representa o crepúsculo do varejo como conhecemos. E isso é bom para o próprio varejo.