quinta-feira, 19 de março de 2015

Picaretagem profissional

Ele faz que não entende, e é autoritário e gentil ao mesmo tempo – depende da crítica, ou do silêncio. Arregala os olhos ao ser questionado: e então muda de assunto, ou concorda com o que alguém fala, já que não tem certeza. Afinal, repete conceitos sobre os quais nunca refletiu. Nunca experimentou. Ele apenas repassa algo que leu ou ouviu em algum lugar.

E a plateia? Imagino que a maioria ignora a farsa. Pagaram por uma aula, um treinamento, uma consultoria, mas assistem a um teatro. 

Vou usar um exemplo para tornar mais claro o tema que quero abordar. Li há alguns dias um texto de Luiz Felipe Pondé, na Folha de São Paulo, que retrata um cenário semelhante: os pais chatos que participam das reuniões nas escolas. Entre outros tipos de pais chatos, destaco esse descrito por Pondé:

“Tipo muito interessado em saber como seu filho vai na escola, mas que na realidade quer falar de algo que ouviu falar numa dessas reuniões com gurus que falam sobre motivação em empresas, e acha que a professora deveria ler esse tal guru que ganha milhões ensinando bobagens sobre liderança. O mundo corporativo gasta milhões com gente fajuta.”

Esse tipo que Pondé descreve é parecido com o profissional picareta ao qual me refiro. E se parece com aquela parte da plateia que, incauta, não percebe o golpe.

Alguns percebem a encenação, mas em geral não falam nada. Ou melhor: não falam nada para o professor, instrutor ou palestrante: vão comentar no intervalo, no dia seguinte, nas redes sociais. O picareta vive com medo dessas pessoas: elas podem revelar o farsante e abalar seu método capenga.

Mais um exemplo: sabe quando você começa abordar em uma apresentação, por exemplo, um tema que você desconhece, ou que não domina muito? É difícil, exige enrolar um pouco, falar sobre algo que não se tem muita certeza. Agora imagine ter como profissão esse improviso constante. O drama do picareta é solitário e interminável.

Minha aspiração profissional é apenas uma: não ser um farsante. Ter a humildade de admitir o erro ou a ignorância, priorizar o aprendizado, não usar o autoritarismo para inibir as críticas. Não importa aonde chegar, ou o que conquistar: eu só quero ser incansável no esforço de falar e escrever baseado em experiências, conhecimento e fatos.