quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Fogo Amigo

Não é exatamente o tema da minha coluna, mas não há como não falar sobre mais um acidente fatal em função da queima irresponsável de fogos de artifício. Foi aqui perto, em São Carlos. A família soltava os tais foguetes “treme terra” em frente à casa. Um dos artefatos tomou um rumo inesperado e explodiu na varanda, matando uma mulher de 25 anos e deixando duas crianças com graves queimaduras pelo corpo – uma delas, seu filho de 3 anos.

Acabei de ver a reportagem da RBS sobre o ocorrido. Ao final da matéria, um bombeiro explica maneiras seguras de soltar foguetes. Mais uma vez, buscamos respostas certas para perguntas erradas. A pergunta não deveria ser como utilizar esses artefatos de guerra de forma segura. A pergunta deveria ser: é possível permitir a compra desse tipo de material explosivo? Quantos dedos, mãos e vidas ainda serão perdidos de forma tão banal e irresponsável?

É absurdo falar sobre o modo correto de explodir bombas. Temos que falar em redução de poder explosivo, restrição produtiva, rigor no armazenamento, na fiscalização. Mas o mais delicado, no momento, é o que falar para essa criança de 3 anos quando ela deixar o hospital.

Além desse incalculável custo humano de explosões erradas, temos também um custo financeiro enorme na comercialização de fogos. Tudo bem, é uma indústria como qualquer outra, que gera empregos e impostos, mas é uma daquelas coisas inexplicáveis: por que queimar tanto dinheiro com barulhos e luzes? Sei que é algo tradicional e o espetáculo é bonito, mas não poderia ser algo mais... civilizado?

Imaginemos algo assim: todas as pessoas que compraram fogos poderiam, no ano que vem, doar 50% do valor gasto com fogos nesse ano. Com essas doações poderíamos fazer alguma coisa. Por exemplo: uma festa da virada para os nobres haitianos que estão longe de casa. Poderíamos convidar também os índios que perambulam pelas ruas da nossa cidade. Apareceríamos no Jornal Nacional, acredite.

Mas será que temos essa consciência social? Lembro que no final dos anos 90, quando meu pai era promotor de justiça em São Miguel do Oeste, foram apreendidos fogos de artificio armazenados em locais irregulares. Naquele ano, a noite de Ano Novo foi bastante silenciosa, já que boa parte dos fogos não pôde ser vendida. 

Em momentos assim, não tem como não citar Nelson Rodrigues: consciência social de brasileiro é medo da polícia.