quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Je suis Charlie

Como boa parte do mundo, fiquei chocado com o massacre ocorrido na redação do Charlie Hebdo em Paris. O fato me atingiu de uma forma peculiar. Explico.

Lá pelo ano 2000 eu desenhava charges e publicava no Jornal Regional daqui de São Miguel do Oeste. Criei um personagem que era colocado em situações locais e fazia algum comentário, ou alguma leve provocação sobre algo que chamasse a atenção.

Um prefeito da região utilizou máquinas da prefeitura em sua própria terra. Eu fiz uma tirinha (dois ou três desenhos em sequência) rimando o nome do prefeito com um modelo de trator. O partido não gostou, mas ficou por isso.

Depois fiz um desenho sobre uma boate famosa na época. As brigas por lá se tornaram frequentes. Desenhei meu personagem indo feliz para a festa mas, na chegada, deparou-se com socos e pontapés. Também desenhei uma latinha sendo arremessada em meio à confusão, e nela escrito “R$ 1,50” – na época, um preço absurdo para a cerveja. Nesse caso a reação foi maior: acusaram o jornal de apoiar uma nova boate que seria inaugurada (mas que nunca foi). Mas não: era só um rapaz inconsequente que adorava lápis e canetas pretas.

A situação mais grave que recordo foi quando mexi com a Polícia Militar. Na época existiu uma “operação” para multar motoristas que não ligassem o pisca ao passar pelas rótulas. Foi chamado de “Dia do Pisca”. Minha mãe foi multada. E eu desenhei um policial aceitando suborno do meu personagem. A reação da polícia foi agressiva, e acabei aceitando um acordo indigesto para evitar problemas maiores: na semana seguinte, tive que desenhar meu personagem preso por tentar subornar um guarda.

Eu sei que não é fácil conviver com a liberdade de expressão. É muito simples erguer uma bandeira e falar que todos tem o direito de se expressar. Mas eu duvido que você, caro leitor, aceita sem problemas tudo que as pessoas falam por aí. Desde as ignorâncias postadas com erros de português no Facebook, até a opinião política e religiosa divergente da sua. 

Nas empresas acontece algo semelhante: o poder da hierarquia impede a opinião e a crítica. E se um funcionário desenhar uma caricatura do chefe, o que pode acontecer? Demissão por justa causa?

Comovido com os atentados, prometi criar outro personagem e voltar a desenhar. Ando diplomático demais. Decidi provocar mais em 2015Eu sou Charlie também.