quinta-feira, 6 de março de 2014

O bom pessimista

A autoajuda é um mercado bilionário de livros, vídeos e palestras. Seu conteúdo básico é o otimismo, o pensamento positivo. Você precisa acreditar que as coisas vão dar certo no futuro. Você precisa, na mais surrada das lições, enxergar o copo meio cheio, e não falar que ele está meio vazio. Mesmo que ele de fato esteja.

Para o otimista por natureza a autoajuda até funciona. Para alguém com problemas sérios, cético e desconfiado, a autoajuda pode piorar as coisas. Acreditar que uma força superior vai fazer com que tudo de certo no final pode apenas antecipar a catástrofe, gerando ansiedade e problemas na autoestima. A questão foi tema de uma boa matéria da revista Época (17 de fevereiro).

O manual do otimista diz que ele precisa ter metas, objetivos, causa, missão. Ninguém questiona a importância do foco, mas tornar esses propósitos uma obsessão pode fazer você ignorar coisas importantes e nem perceber o que acontece ao seu redor. E aqui entra em cena o bom pessimista: ele tem foco, mas sua preocupação está nas fatalidades do caminho que ele percorre.

Esse pessimista precavido não ignora as piores hipóteses. Ele percebe que a situação poderia ser pior do que já é e, resignado, volta ao trabalho. Vislumbrar um futuro sombrio é uma maneira eficaz de estar preparado para quando este futuro chegar. Se você sabe que ele está vindo (e você sabe!), por que se iludir imaginando que tudo vai dar certo? Por que essa ansiedade que ignora a realidade e insiste em divulgar pensamentos positivos no Facebook?

Talvez a mais cruel consequência do otimismo é a motivação, abordada neste espaço há alguns dias. Nos tornamos otimistas preguiçosos que precisam de motivação para estudar e trabalhar. Ser um bom pessimista, quem sabe, é saber simplesmente ignorar a falta de vontade.

Lembro de uma senhora que trabalhava comigo que, ao final de uma palestra motivacional com um mágico, abordou-o lacrimejando e falou: “A gente precisaria de uma palestra assim toda a semana!” A pobre sabia que, no dia seguinte, estaria sentada num espaço escondido de uma empresa caótica. E que no máximo em cinco dias a realidade consumiria a dose de otimismo que acabava de adquirir. O palestrante picareta sorriu.

Enquanto você sonha com a paz de espírito e com a alma gêmea, a vida passa e você esquece do que precisa ser feito. Não há final feliz esperando por você – e não se iludir sobre isso é um bom caminho para uma vida menos passiva e mais produtiva.