terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O Jeca Tatu moderno

Nelson Rodrigues inventou a expressão “complexo de vira-lata” para descrever o sentimento e, especialmente, o comportamento do brasileiro. Era a Copa de 1950 e o Brasil havia sido derrotado pela seleção uruguaia na final, em pleno estádio Maracanã. Na ocasião, Nelson Rodrigues escreveu que “o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a auto-estima.” No futebol o Brasil superou o sentimento de inferioridade. Mas ele subiu as arquibancadas e se espalhou, do Oiapoque ao Chuí.

Nossos escritores do Romantismo Indianista, como José de Alencar, O Chato, decidiram inventar um herói nacional no século XIX: idealizaram um índio esbelto e sensível. Mas uns 30 e poucos anos antes da Copa de 1950, Monteiro Lobato descreveu um merecido anti-heroi para a nação: Jeca Tatu. O criador do Sítio do Pica-pau Amarelo resolveu detalhar o caipira brasileiro (não vou citar o termo originalmente usado pelo autor para fugir da patrulha politicamente correta) como um “parasita da terra” e “inadaptável à civilização”. Monteiro Lobato teve a ousadia de culpar o caipira pela sua própria miséria, quando deveria, segundo a opinião pública da época, culpar a herança maldita dos portugueses e o descaso do novo governo republicano. O escritor, achincalhado pela crítica, desculpou-se pelo desabafo – mas o estrago, num bom e esclarecedor sentido, estava feito.

Eis a consequência do complexo de vira-latas: a suposta superioridade alheia é a desculpa para as derrotas. Estamos acostumados a justificar nossos fracassos culpando alguém. Monteiro Lobato ouvia que o Brasil era pobre porque foi explorado pelos portugueses. Nós crescemos ouvindo a mesma coisa, só mudou o algoz: os Estados Unidos. Uma justificativa confortável para o subdesenvolvido.

Nas empresas o sentimento é semelhante. O empresário não vai bem por culpa do funcionário, do governo, do cliente. O funcionário não vai bem por culpa do chefe, dos colegas, das oportunidades que alguém deveria ter lhe oferecido mas que foram negadas. Ou foi ele que esqueceu de pedir?


Eis o Jeca Tatu moderno com complexo de vira-lata: “uma vida inteira que podia ter sido e não foi”. E ele tem certeza que a culpa não foi dele.