No filme “Tudo pelo poder”, Stephen Myers (Ryan Gosling,
sempre avassalador) faz as relações públicas da campanha eleitoral do
governador Mike Morris (George Clooney). Num certo ponto da trama, o governador
está no banco traseiro de um carro, conversando com sua esposa. Ela pergunta o
motivo de ele não aceitar uma aliança com certo senador, o que lhe daria grande
vantagem. E ele explica que várias vezes já cedeu e passou do limite que ele
tinha estabelecido: limites éticos e morais. Aceitar tal aliança seria demais.
Imagine que os seus valores são um terreno cercado. Ali dentro
está o seu código de conduta: até que ponto você pode ir para alcançar aquilo
que você quer. Teoricamente, mentir, roubar e matar são coisas impensáveis, estão
além da cerca, do limite que você estabeleceu.
Mas o poder e a ganância podem fazer você flexibilizar os
seus limites. O resultado que você quer exige que você faça algo que você não
gostaria que seus pais soubessem. O filme mostra isso: você começa a aceitar
pequenas infrações, elas se tornam hábitos e, quando você percebe, desapareceu
a tênue linha entre o certo e o errado.
Há muitos anos, em um mercado em Curitiba, vi um senhor
devolver uma pequena quantia em dinheiro para o caixa. A quantidade era quase
irrelevante, alguns centavos. Mas ele se justificou: “É assim que começa”. Começa
o quê?, pensei na época. Hoje creio que ele não arriscava ultrapassar seus
limites. Mesmo que só alguns milímetros.
Ser flexível é uma virtude? Nem sempre. Mudar de opinião é
uma coisa. Condicionar valores e princípios aos interesses em jogo é outra. O
problema é que é do ser humano justificar seus atos de acordo com a consequência,
com o resultado obtido.
Millôr - Paz da classe média |