quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Joaçaba se aproxima

Joaçaba insiste em aparecer. Sabe aquela ex-celebridade que precisa estar na mídia? Que a qualquer custo luta para sair do limbo, do esquecimento? Agora imagine como se sente esta Joaçaba, que nunca passou de uma promessa. Viu Chapecó, viu Concórdia, viu Lages crescer e permaneceu nanica como as inúmeras cidades vizinhas. E hoje, Joaçaba parece não se conformar diante da dura realidade da insignificância regional.

Poderia ser esta biografia frustrante a explicação para Joaçaba insistir em aparecer?

Veja agora, leitor, que feito o município está prestes a realizar: erguer uma estatua gigante, a quinta maior do mundo! Joaçaba quer virar notícia a todo custo. A propósito, viram o que aconteceu em Aracaju? A maior árvore de natal do mundo desabou e matou três operários. Não creio que a estátua do Frei vá cair. E eu também não sou contra a construção de estátuas. Mas é um motivo vão de orgulho. É uma oponente futilidade que será exaltada como um grande feito. Por que Joaçaba não tenta ser o município mais alfabetizado? Ou o menos corrupto? Por que mantém casas erigidas sobre o Rio do Peixe (Morto)? Por que não soluciona o problema do seu trânsito caótico? Não basta emular o desfile de Carnaval do Rio: agora Joaçaba quer imitar o Cristo Redentor, no topo de um dos morros que a cercam.

Eu e o resto do Brasil ouvimos falar em Joaçaba duas vezes neste século. A primeira, uma disputa avarenta entre dois amigos que acertaram na loteria: sete milhões não bastavam para cada um. Queriam tudo, e deixar o outro sem nada. Hoje, já não são mais apenas os dois que querem um pedaço deste bolo da discórdia… Adiante.

Há alguns dias, o fato espantoso do estupro: uma menina de quinze anos, embriagada, foi estuprada por três rapazes. Eles filmaram o ato, que caiu na rede e virou notícia em todo o país. Assisti a reportagem da Globo no Youtube. Por acaso, desci a página e li, horrorizado, os comentários dos internautas. Pasme, leitor: a maioria censura a garota. "Quem mandou beber tanto, onde estavam os pais, bem feito", e demais absurdos do gênero. Os moralistas de sempre, desta vez justificando um crime medonho em função de um comportamento inadequado.

Por que Joaçaba não pode ser como a minha São Miguel do Oeste? Lá, há 20 e poucos anos, nasceram os quíntuplos. Quem nunca viu as adoráveis crianças de São Miguel num calendário do comércio? Hoje eles estão esquecidos, assim como São Miguel. Mas permanecemos felizes no nosso anonimato. Os quíntuplos estão felizes no anonimato. Hoje eles mal são percebidos na rua. Se fossem nascidos em Joaçaba aposto que os quíntuplos também reivindicariam fama eterna. Quem seguraria o Jacksons Five do oeste?

Quando a história do estupro apareceu na mídia, alguém me perguntou se não era a cidade do meu pai. Sim, é a cidade do meu pai, respondi envergonhado. Eu gostaria que apenas três coisas tivessem acontecido em 2008: que eu ganhasse dinheiro, que John McCain fosse eleito presidente dos EUA e que meu pai fosse trabalhar em Chapecó. Mas nada disso aconteceu. Sendo assim, resignado e com alguns trocados no bolso, vou visitar o meu pai. Começo a sentir calafrios assim que vejo Luzerna pelo retrovisor: Joaçaba se aproxima.  

*Escrito originalmente no final de 2008, um ano ruim.