quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Prioridade alguma

Nosso cérebro não é muito bom em priorizar as coisas. Se você precisa estudar para uma prova muito importante, mas também precisa tratar o cachorro e lavar roupas, não vai encontrar uma forma de categorizar, na sua cabeça, o que é mais urgente ou relevante.

E por não saber priorizar, o cérebro fica sobrecarregado. E você se sente estressado, perdido. A boa notícia é que é relativamente simples reduzir bastante essa situação. Você precisa "esvaziar” a sua cabeça: tirar todas as tarefas, planos e projetos do consciente e inconsciente e coloca-los no papel.

Essa é a ideia central do método GTD (Getting Things Done), do autor David Allen. Você pode comprar o excelente livro que ele escreveu, como eu fiz, ou pode assistir alguns vídeos de 5 minutos no Youtube que resumem a técnica. Basicamente, você vai anotar tudo (tudo!) que você quiser ou tiver que fazer. E depois você distribuiu ao longo dos dias da semana.

Não existe só um jeito certo, mas compartilho o meu: eu anoto tudo (tudo!) em uma agenda, e reviso tudo no final de semana. E então eu vejo se ficou alguma pendência da semana anterior, e mais ou menos programo a semana seguinte. Uso também um calendário semestral na parede para não esquecer de datas importantes. Quer dizer: o “método” pode parecer ridículo de tão simples. O problema é a disciplina de anotar e revisar. No meu caso, a mudança foi impressionante. Não me preocupo mais com os próximos compromissos e não perco tempo tentando lembrar de tarefas e prazos: tenho tudo anotado. Tirando esse monte de informação, o cérebro trabalha melhor em coisas que ele faz bem, como a criatividade e o raciocínio.

Há algum tempo conheci também o trabalho do Dr. Atul Gawande, que escreveu o livro O Manifesto Checklist (da mesma forma, você consegue entender o básico do trabalho dele via Youtube). Ele questiona a formação individualista do médico, um cowboy que precisa salvar vidas sozinho, sob pressão: e que acaba cometendo erros básicos de procedimento. Gawande comenta casos de checklists com tópicos básicos de segurança em higiene e processo cirúrgico que reduziram pela metade o número de óbitos. Metade!


Todos nós erramos muito por esquecer o que é básico. As coisas mais importantes que realizamos no dia-a-dia seguem padrões repetitivos. Mas não anotamos, sobrecarregamos a memória, e então falhamos. Anotar tudo e seguir procedimentos simples é o caminho para uma rotina mais leve e precisa.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

O inteligente fracassado

Por que algumas pessoas muito inteligentes não se dão bem na vida?

Eu já me fiz essa pergunta algumas vezes. Uma pessoa próxima da minha família já foi objeto dessa especulação: como pode alguém tão inteligente não conseguir fazer nada direito? (Em tempo: falo aqui do conceito de inteligência clássica, da pessoa que vai bem na escola, que parece saber de tudo quanto é assunto. Não se trata, por exemplo, do conceito de "inteligência emocional").

Antes de especular também sobre a questão, um parêntese. "Inteligente” é o pior elogio que você pode dar a uma criança. Eu ouvia isso na infância. E acreditei nisso. E um dia eu percebi que a inteligência era apenas um dos ingredientes necessários: e não era o mais importante. E eu acho que eu nem era tão inteligente quanto os pais e os tios pensavam. Imagine a situação: a criança tira 10 numa prova. E você fala: “Parabéns, você é muito inteligente!" E então na semana seguinte a criança tira 5 em outra prova. O que você vai falar agora? Que você se enganou? É melhor elogiar o esforço, o processo de dedicação e estudo. E se algo deu errado no resultado, que se avalie a preparação, e não a capacidade intelectual.

Voltando ao inteligente adulto: em geral ele acaba adotando uma postura pessimista. E por ser inteligente, acaba desenvolvendo ótimos raciocínios sobre como as coisas podem dar errado, sobre o motivo de as coisas não funcionarem. E então ele não empreende porque a maioria das empresas quebra. Ele não casa porque a maioria dos casais acaba se divorciando. Ele não vai fazer novos amigos porque as pessoas são burras (é o que ele acredita). E ele, intitulado inteligente, torna-se um perito em apontar os motivos de não valer a pena. E enquanto se explica, não constrói nada.

Eis a pior parte: ele acaba explicando a si mesmo a própria inércia. Uma vida inteira de justificativas e desculpas. E de tanto repeti-las, o cérebro acaba considerando verdade: ele realmente acredita que o mundo não entende o valor que ele tem. E assim, o que parecia despontar como uma vantagem na infância, torna-se um fardo ao longo da vida.


E se a criança ouvir a família ou a professora dizer que ela é burra? Ela vai aceitar e adotar a justificativa ("Não sou inteligente, não adianta!”)? Ou vai tentar reverter a situação com mais esforço?

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Os bons inimigos

O bom é inimigo do ótimo? Ou o ótimo que é inimigo do bom?

Jim Collins, um dos mais respeitados autores de negócios, notabilizou a ideia de que o bom é inimigo do ótimo. Na perspectiva que ele adota, o que está bom nos deixa numa zona de conforto. Nos conformamos, segundo o autor, com uma escola boa, um vida boa, uma empresa boa. E como nos acomodamos com o que está bom, não buscamos o ótimo. Faz todo sentido, certo? Difícil discordar dele. Mas vamos tentar.

Será que não seria o ótimo inimigo do bom? Essa reflexão é do filósofo Voltaire – parece que ele aconselhava a não deixar o ótimo ser inimigo do bom. Ou seja: queremos algo perfeito, maravilhoso, e acabamos não fazendo nada. Analisando esse raciocínio, identificamos as raízes do perfeccionismo.

O perfeccionista, em geral, não faz muita coisa. Ele está muito ocupado tentando deixar seu projeto melhor. Lembro de uma situação ocorrida em sala de aula: uma aluna, que acompanhei durante dois ou 3 semestres, era sempre a última a entregar qualquer trabalho ou prova. Ela dizia que era perfeccionista. Mas o trabalho que ela entregava nunca era o melhor da sala. Talvez estivesse na média, semelhante aos primeiros a serem concluídos. E eu tive que falar isso para ela: não de uma forma depreciativa, mas questionando se valia a pena dedicar tanto tempo e esforço quando o resultado não mudava muito.

A ideia de que o ótimo é inimigo do bom se tornou famosa nesta frase: o feito é melhor do que o perfeito. As vezes, quando buscamos o ótimo (e só o ótimo, mais nada) podemos cair na inércia. Não vou divulgar meu trabalho (ou minha arte) porque ainda não está como eu gostaria. Não vou mudar de vida porque ainda não estou preparado. E enquanto isso, o tempo vai passando.

O desafio é definir quando é suficiente ser bom, e quando é necessário ser ótimo. Isso pode ser estabelecido antes de começar, mas também durante o andamento de um projeto. Dependendo das perspectivas futuras e de retorno, você pode definir se vai fazer e entregar, ou se vai dedicar muito esforço até atingir o melhor.

Mas insisto: o perfeccionista acaba se escondendo, porque ele teme ser mal avaliado. O perfeccionista tem medo. Medo de o que os outros vão dizer quando ele mostrar e aparecer. Ser perfeccionista é uma desculpa, não uma característica. E isso é bom: basta parar de usá-la.