quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Conflito de interesses

Existe um ditado popular que diz que para o martelo, tudo é prego. Ou então que, para quem só tem um martelo, tudo se parece com prego. Faz sentido. E nesse caso, não se trata apenas de sabedoria popular. É algo que a ciência confirma.

Se você é um médico especialista em determinado tipo de cirurgia, a ciência afirma que a tendência é que você não consiga ser sempre imparcial na sua avaliação. A tendência é você acreditar que a sua especialidade é a melhor alternativa para resolver aquele problema. Sua especialidade é o martelo e a doença do paciente é (ou se torna) o prego.

Simplifico e generalizo com essa breve analogia para já apontar a questão central dessa reflexão: um conflito de interesses nem sempre é mal-intencionado. Muitas vezes ele é inconsciente: você acredita estar ajudando, quando na verdade está tentando aplicar ou vender aquilo que você faz.

E claro que o conflito de interesses pode ser bem evidente: eu convido você para uma festa mas estou interessado em aparecer nas fotos com você, porque isso vai me promover. Ou você aconselha alguém a desistir de uma oportunidade porque você tem interesse nela. Quem nunca?

Logo, temos dois tipos de conflitos a serem evitados. O consciente e o inconsciente, digamos. O consciente é a manipulação premeditada, independente da boa ou má intenção. Uma boa prática: é mais eficiente quando se tornam claras as segundas intenções. "É o seguinte: quando você vier à festa, gostaria muito de tirar uma foto contigo. Sou seu fã, admiro o seu trabalho. Você se importa?" Tornar o interesse claro e explícito exclui qualquer interpretação duvidosa.

Já o conflito de interesses inconsciente é mais crítico. Para ser notado, exige uma reflexão sincera e profunda sobre aquilo que você faz automaticamente. E em geral, é necessário que alguém aponte esse problema em você. Dificilmente você vai enxergar o conflito se olhando no espelho, ou pensando na vida. O problema é que não somos muito bons em aceitar críticas. Então é provável que as pessoas percebam o seu conflito de interesse, mas não falem nada. Elas temem sua reação, não querem se incomodar e tem outros problemas para resolver.


E quando você é a "vítima" de uma situação assim? Sentindo-se usado para alguém conseguir o que quer? Provavelmente o melhor caminho é buscar outras opiniões. E tentar ver a situação de uma perspectiva externa, fugindo do papel de vítima.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Corresponsável pelo erro

Há alguns dias fui abordado por uma pessoa que assistiu a alguma apresentação que eu fiz sobre marketing. A pessoa me disse que está se incomodando em função de uma mudança que eu sugeri que ela fizesse em redes sociais.

Minha primeira reação foi questionar, em silêncio, o que a pessoa me falava. Mas esse sentimento defensivo logo passou e, também em silêncio, aceitei e assumi a responsabilidade. E constatei na prática o preço a ser pago por querer dizer aos outros o que fazer.

No caso, eu recomendei fazer o que é certo, padrão. O que todos os especialistas recomendam. Se eu não me engano inclusive indiquei um passo-a-passo para a pessoa realizar o procedimento. Logo, seria muito fácil eu lavar as mãos e dizer que não foi minha culpa.

Faz parte do processo de aprendizagem reconhecem e resolver os erros cometidos no passado. Todos que eu me lembro aconteceram em forma de conselhos, recomendações. Todos com a melhor intenção. No entanto, sem entender a realidade do aconselhado.

Não importa quem você é ou o que você faça profissionalmente: se você sugerir e recomendar mudanças, vai se tornar corresponsável pelos resultados. E então, você tem duas opções: resolver e aprender, ou procurar culpados.

Isso acontece no nosso dia-a-dia. Exemplo: um amigo terminou um relacionamento. E você, para consolá-lo, fala que ele tem a razão, que ela não era para ele, que a vida segue, e qualquer outro comentário favorável ao amigo. E algum tempo depois os dois se entendem. E ele conta para ela o que você falou. E pronto, você é o vilão da história. Pense, leitor, nas consequências de aconselhar alguém a trabalhar, vender, comprar, parar, começar, desistir, mudar. É assustador.

Só não temos mais problemas com conselhos porque, em geral, as pessoas não seguem os conselhos. E quando escutam o "especialista", usam a recomendação como desculpa para eventual fracasso.


Hoje eu evito conselhos, e já escrevi aqui algumas vezes sobre isso. Não é assim que as pessoas aprendem. Não é assim que as pessoas mudam. Em geral elas já sabem o que você vai sugerir, e estão apenas buscando aprovação. Você não conhece a raiz do problema para propor soluções. E, como ilustrado nos exemplos deste texto, você vai se tornar responsável pelas consequências do seu conselho. Por melhor que tenha sido a intenção.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

O medo e a chuva

O sentimento mais frequente em escolas e empresas é o medo. Nas empresas: medo de o chefe não gostar de alguma coisa. Medo de o chefe ver o Facebook aberto. Medo de entrar na sala do chefe e relatar um problema (melhor deixar quieto e não se incomodar). Medo de tentar fazer algo diferente e dar errado.

Nas escolas: medo de questionar o professor, o dono da verdade. Medo de falar o que eu penso e os colegas rirem. Medo de fazer o que eu gosto e não ser aceito pelos colegas. 

Nas empresas, a principal consequência do medo é a estagnação: se temos medo de errar, não vamos tentar algo novo. E não vamos melhorar, mudar e inovar. Pois estamos preocupados unicamente em fazer as coisas como devem ser feitas, não se incomodar, não levar “mijada". É tragicômico.

Nas escolas, o medo de errar é a grande barreira do aprendizado. Melhor estudar, decorar, ir bem na prova sobre um assunto irrelevante para minha vida. Ficar sentado quieto, prestar atenção no messias lá na frente, copiar o conteúdo do quadro no caderno, como nossos pais e avós faziam. É trágico: nossas escolas pararam no tempo. Faz tempo.

O medo está também em casa: nas nossas cabeças. Você já percebeu que os piores medos são as antecipações de situações improváveis?

Por exemplo: você deita para dormir e, do nada, surgem pensamentos negativos na sua imaginação. Eu sei, na minha eles também surgem. E então você perde o sono imaginando as coisas dando errado, nas mais diversas e trágicas maneiras. Duas notícias boas: estatisticamente a maioria das tragédias e desgraças que você imagina não acontecerão. Se você for um pouquinho racional, a lógica e a probabilidade estão a seu favor.

Outra notícia, melhor ainda: esses pensamentos negativos não estão dentro de você. Se você é um irremediável pessimista, como eu, não significa que a sua cabeça está com problemas. Também não são pressentimentos ou premonições que só a fé explicaria. Esses medos antecipados são como nuvens escuras de chuva. Você não consegue interferir e impedir que elas cheguem: é assim que o cérebro funciona. Mas essas nuvens irão embora em breve, como sempre. E o sol aparece: ele não havia ido embora, apenas estava escondido. O desafio é aprender a lidar com esse clima ruim, que vai continuar aparecendo de vez em quando.

Querer eliminar o medo vai resultar em frustração – e sabe-se lá o que mais. O medo não vai desaparecer: a única alternativa é aprender a dançar com ele.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

No longo prazo

Imagine que você está correndo uma maratona. Você vem treinando há um bom tempo e está preparado para o percurso. Já tem uma estimativa de quanto tempo vai demorar para concluir a prova. Sabe qual é o melhor ritmo para chegar forte e competitivo até o final.

A certa altura da corrida, um competidor passa por você. E você não quer perder para essa pessoa. E então você tem duas opções. Você pode pensar no médio e longo prazo e manter seu ritmo, seu planejamento. Ou então você pode entrar em uma nova competição, contra esse corredor específico que acabou de deixar você para trás. Não há certo ou errado. Há uma escolha, que confronta razão e emoção.

O primeiro problema é que não conhecemos a realidade do oponente. Será que ele está em melhores condições e melhor preparado do que você? Ou ele é um amador que está acelerando agora e em breve vai cansar? Será que ele tem um plano para a corrida toda ou ele quer apenas passar você? Não há como saber.

Outro problema, bem maior: em geral, nenhuma das perguntas acima é relevante. O que você precisa decidir é se vale a pena competir com ele: é esse o seu grande objetivo?

O exemplo é uma analogia com qualquer ameaça repentina que aparece por aí. Reagimos sem pensar, e então começamos a lutar com questões irrelevantes para o nosso percurso. E assim competimos com parentes, amigos, colegas de trabalho, vizinhos. Por vaidade, inveja, ciúme e orgulho. Mais nada.

Em geral saímos do nosso percurso em função de necessidades de curto prazo. É da nossa biologia, da nossa fisiologia vivermos reagindo às "ameaças" que surgem. Se você parar para pensar, na maioria das vezes, o mais coerente é deixar passar. Ou você precisa tanto assim da medalha de ouro?

A primeira etapa para fugir dessas competições vazias é ter um plano. Saber aonde ir e o que é relevante para chegar lá. Mas isso é óbvio, todo mundo fala e todo mundo já sabe. Mas também sabemos que pensar no longo prazo é dolorosamente difícil. Se fosse fácil todo mundo faria.

O planejamento de longo prazo é algo que se constroi, que se descobre. E esse esforço norteado pelo aprendizado e pelas descobertas parece ser a melhor estratégia de corrida. Mas não há certezas quanto a isso. Temos que descobrir. 
(Para a Dani, que construía amizades.)