quinta-feira, 27 de outubro de 2016

A síndrome do sucesso

Em geral, publicações sobre empreendedorismo trazem apenas histórias de sucesso. Empreendedores obstinados, com grandes ideias, que fizeram esforços que nós, pobres procrastinadores, mal iniciamos. Vender histórias de sucesso e listar dicas e melhores práticas funciona. Quer dizer: funciona porque as pessoas compram, leem, curtem, compartilham. Mas funciona na prática, na aplicação?

É complicado entender as raízes do sucesso – talvez a única forma de tirar lições práticas. Mais fácil é entender o erro, o fracasso. Seu e dos outros (www.lucasmiguel.com/erremais).

Mark Twain dizia que um gato que pula no forno quente não fará isso de novo. O problema, segundo o autor, é que raramente um gato pula no forno quente. Ou seja: o sucesso do gato depende de não queimar as patas. Mas se o gato não pular para não se queimar, vai ficar estagnado, sem sair dos lugares seguros.

E então chegamos no raciocínio central deste texto: o sucesso sustentado carrega a semente do próprio fracasso. Querer sustentar o sucesso pode provocar um certo conservadorismo maléfico. E então se evitam riscos. Não se percebem novos caminhos, oportunidades, atualizações. No Brasil temos um outro ditado para isso: em time que está ganhando não se mexe. Será?

Pensemos um pouco em outro tipo de sucesso: um relacionamento bem-sucedido. O que é sucesso em um relacionamento? Durar bastante, para sempre ("até que a morte os separe"), certo? Logo, as partes envolvidas vão fazer de tudo para evitar o fim do relacionamento. E nesse esforço, podem esquecer de cultivar esse relacionamento de uma forma sadia: crescendo, mudando, aprendendo, construindo confiança, sendo cada vez mais útil para o outro. Se o foco for fazer de tudo para "blindar” a relação, o resultado provável será o ciúme e a desconfiança. Ou, a tal semente do fracasso, sendo germinada despercebida. É triste, mas as boas intenções se tornam solo fértil para o início do fim.


Resumindo: todo o seu esforço para manter o sucesso atingido pode ser a principal causa do futuro fracasso. Manter sucesso é arriscar um pouco. E quem arrisca sempre erra em algum momento. É natural e faz parte do aprendizado. Quem não erra nunca é como aquele gato, com medo de se queimar, esperando que alguém lhe traga comida.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Uma fábula contemporânea

Era uma vez um leãozinho. Ele estava no colo da sua mãe quando foram surpreendidos e atacados por um bando rival (qual é o substantivo coletivo de leão? Alcateia?). O papai leão ainda escondeu o leãozinho nos arbustos antes de serem mortos pelos leões malvados.

No outro dia ele acordou sozinho. E um grupo de ovelhas passou pelo local do massacre, e encontrou o leãozinho abandonado. Ele foi resgatado pelas ovelhas.

O tempo passou, e o leãozinho cresceu. Virou adulto. Mas permaneceu manso como as ovelhas. E inclusive aprendeu a berrar como como elas (bééé).

Até que um dia, outro grupo de leões famintos invadiu a aldeia das ovelhas. E elas foram estraçalhadas. O líder do grupo chegou até o nosso leãozinho, agora adulto e enorme, olhou para ele bem de perto e perguntou: “O que está acontecendo com você?” Ele respondeu: “bééé!"

Então o leão líder arrastou o nosso leãozinho pela juba até uma poça d'água e mostrou para ele o reflexo de quem ele era. Mas ele ainda não entendia. O leão pegou então um pedaço de ovelha e enfiou goela abaixo do leãozinho. Ele resistiu o quanto pode, afinal estava engolindo um dos seus. Mas então algo aconteceu. E ele rugiu pela primeira vez. Ele lembrou quem ele realmente era (Sugestão de documentário: "Tony Robbins: eu não sou o seu guru". Tem no Netflix. E não cometa o meu erro de achar que Antony Robbins é autoajuda motivacional).

Quem sabe esse leãozinho manso seja você. Talvez você não saiba que é um leão, e sempre acreditou que era uma ovelha. Mas o mais provável é que você saiba que é um leão, mas se comporta como uma ovelha. Por quê?

Talvez você seja recompensado por ser uma ovelha. Pode ser o seu papel submisso num relacionamento. Pode ser num emprego aonde você não fala nada porque tem medo. É mais cômodo aceitar resignado.

Quem sabe você é ou queira ser uma ovelha. Não vejo nenhum problema nisso. Não sei se é genético ou se é uma opção de vida. O único problema é quando as ovelhas se consideram vítimas injustiçadas. E então reclamam o tempo todo. Uma pessoa que só reclama é uma ovelha tentando rugir: ninguém leva a sério, só fica incomodado.


Mas escrevo esse texto e conto essa história para aquelas pessoas que, por algum motivo, sabem que não estão fazendo o que é certo, o que precisa ser feito. Quem sabe seja o momento de você pensar em como e em quando vai começar a rugir.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Estrelas cadentes

Eu procuro conversar com profissionais de diversas áreas. É algo que eu tento fazer com certa frequência: buscar mais informação de realidades que eu desconheço. E esse cruzamento de informações traz inspirações e novas perspectivas.

Por exemplo: há alguns dias eu conversava sobre projetos com uma arquiteta. Falávamos sobre as complicações e conflitos da relação com o cliente. E ela me disse que entrega muitos projetos com detalhes que ela não faria se a casa fosse dela. Ela não impõe nada, e disse que faz isso simplesmente porque respeita o cliente.

Isso é marketing puro, simples, instintivo. Uma manifestação dos próprios valores, como deve ser. Ou você acha que isso é obvio? Pode até ser, no discurso. Mas não é na prática. E em alguns segmentos, essa percepção é rara.

A questão principal é estabelecer a diferença entre quem é um artista e quem é um prestador de serviços. Não há problema nenhum em ser um ou outro. Mas o artista não pode exigir que as pessoas aceitem e comprem a sua ideia. Se você é (ou se considera) um artista, tudo bem. Você cria algo para "alimentar a alma”. A venda dessa arte pode até acontecer, mas não há nenhuma garantia disso.

E aqui muitos profissionais se confundem. Criam projetos, de qualquer natureza, e acham que são os donos da verdade. “Eu estudei para isso, eu sei o que é certo". Esse é o discurso. O profissional se comporta com um sábio, um perito, um messias, uma estrela do ramo que não pode ser questionada. Talvez no passado isso até funcionasse, numa economia de escassez. Hoje, no cenário de informação e comunicação instantânea e abundante, não funciona mais.

Se você é um empreendedor, prestador de serviços, vendedor, você não faz para você. Você faz para um determinado grupo de pessoas que vão usar o que você faz como solução para alguma necessidade ou problema.

Lá vai então uma maneira de fazer para os outros, como um empreendedor deve fazer: crie o seu produto ou serviço, e tente vender para as pessoas. Veja se elas compram (e não vale pesquisa de opinião, tem que ser venda). Se ninguém comprou, crie de novo. Até que tenha aceitação. O esforço de criação, teste e ajuste é mais importante que o esforço de venda.

Ou seja: é mais fácil vender aquilo que as pessoas querem. E, afinal, você está sendo pago para fazer o que o cliente quer e precisa. Não para ser um artista com o dinheiro alheio.