terça-feira, 27 de agosto de 2013

A hierarquia que define você

Há alguns dias me deparei com um índice curioso. Ele se chama IDP (Índice de Distância do Poder) e foi elaborado pelo psicólogo holandês Geert Hofstede. Um alto IDP significa uma cultura organizacional onde o chefe está distante dos funcionários. Ele não é questionado, é temido e é obedecido cegamente. 

Já em países de baixo IDP, a hierarquia não impede a comunicação: o chefe é mais um membro da equipe, acessível e (acredite, “colaborador”) questionável.

O psicólogo holandês encontrou nações com o Índice de Distância do Poder baixo, como Austrália e Estados Unidos. Agora adivinhe, leitor, qual foi um dos países campeões em alto IDP, onde muitos chefes são tratados como senhores de engenho? Sim, o seu.

Na mesma linha de raciocínio: em entrevista à Veja SP, a diretora de RH do Google na América Latina foi questionada sobre quem o Google não admite em uma entrevista de emprego. Resposta: gente acostumada a um ambiente muito hierárquico. Segundo a diretora, todos na empresa trabalham juntos, e qualquer um tem as portas abertas para conversar com o diretor-geral.

Ou seja: além de ser um problema para a empresa, um ambiente de subserviência à hierarquia se torna um ponto fraco do funcionário. Ele cria o hábito de não questionar, de permanecer calado, de consentir resignado, de esperar ordens para agir. Sua capacidade produtiva atrofia com o passar do tempo em um ambiente servil.

A hierarquia não pode impedir que a comunicação funcione. A boa notícia é que pequenas empresas levam vantagem por um motivo óbvio: há pouca hierarquia, e é mais fácil adotar um ambiente de trabalho colaborativo, onde quem manda é o resultado, e não o status.

E na sua empresa? Todas as decisões são tomadas na sala fechada da diretoria e os funcionários tem medo de falar com o chefe? Sugiro assumir esse problema como uma questão pessoal. Não é só a sua empresa que parou no tempo: este padrão de comportamento define também quem você é. 



terça-feira, 20 de agosto de 2013

O visionário gentil

Faz tempo que contei esta história neste espaço. Vale a reprise:

Era uma vez um menino, prodígio da matemática. Ele costumava passar as férias viajando com seus avôs. Durante as viagens, refestelado no banco traseiro, Jeff surpreendia os velhos com suas habilidades de raciocínio lógico.

Apenas um detalhe incomodava o menino: a fumaça dos cigarros que sua avó fumava ao longo da jornada. E por isso teve um plano: ele lembrou de uma campanha anti-tabagista que ouvira no rádio. A campanha dizia que a cada tragada o fumante perdia alguns minutos de vida.

Assim, o prematuro gênio dos cálculos fez as contas, tocou no ombro da avó e declarou: “Fumando a cada dois minutos a senhora já perdeu nove anos de vida!”

Ele esperava, como de costume, ser elogiado por mais uma dedução brilhante. A reação, no entanto, foi catastrófica: sua avó começou a chorar.

Seu avô, sempre comedido, parou o carro no acostamento, abriu a porta traseira e pediu que o menino descesse. Ele temeu a reação, mas após um instante de silêncio, seu avô falou: “Um dia você vai entender que é mais difícil ser gentil do que ser esperto.”

Esse menino era Jeff Bezos, criador da Amazon.com, maior varejo eletrônico do mundo, pioneiro na mudança radical do nosso modo de fazer compras. Mudou também o modo como lemos: ao lançar o leitor digital Kindle, a Amazon inaugurou a era do livro digital. Bezos acumula hoje uma fortuna estimada em US$ 25 bilhões. A revista Fortune o elegeu como executivo do ano em 2012. A Harvard Business Review elegeu Bezos o segundo maior executivo da última década – atrás apenas de Steve Jobs. Jeff Bezos tem sido, digamos, muito esperto.

Na semana passada, o mercado foi surpreendido com o anúncio de que Jeff Bezos comprou o jornal The Washington Post por US$ 250 milhões. Um dos veículos mais tradicionais dos EUA (nele foram publicadas as reportagens do caso Watergate), mas que vem há anos lutando contra a queda de circulação e de receita dos anúncios. Culpa de Bezos e da Internet, claro.

Os especialistas especulam os motivos de Bezos: por que este visionário da web moderna está investindo na imprensa? Como ele pretende ganhar dinheiro com um jornal decadente? Ou ainda: mais uma estratégia esperta ou, dessa vez, ele está sendo apenas altruísta e gentil? 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Só os nobres vencem?

Você conhece um empresário rico? E você conhece algum empresário rico porém notório ganancioso, mau-caráter, picareta? Não precisa responder. Ao final do texto volto a essas questões.

Todo mundo quer montar um negócio. Exagero: para ser mais preciso, pesquisa recente do Ibope aponta que 76% dos brasileiros sonham em empreender

No entanto os motivos que essas pessoas encontram para montar uma empresa nem sempre são nobres: ela quer se distanciar do chefe, ou não quer mais acordar cedo, ou não quer trabalhar muito mas pretende ganhar dinheiro fácil. Ou seja: tudo aquilo que o empresário calejado sabe se tratar de utopia de amadores. 

O empreendedorismo é encarado como um lance de sorte. Não raro o empreendedor frustrado transfere a responsabilidade do fracasso para terceiros, ou para caprichos do destino. Para piorar, na concepção do negócio, esse empreendedor, míope pelo otimismo, só enxerga exemplos fantásticos de empresários que enriqueceram.

E numa combinação desastrosa de oportunismo com falta de oportunidade, empresas nascem destinadas a fracassar, já que não resolvem problemas nem melhoram a vida das pessoas. Sem falar em questões técnicas como planejamento e finanças.

Talvez não seja um motivo apontado pelas estatísticas, mas a falta de valores e de propósitos assusta. Empresas nascem com o intuito único de ganhar dinheiro. Não há nenhum crime nisso, mas me parece faltar alguma coisa. Falta, talvez, um sentido de ser que cative as pessoas e a comunidade que se pretende atender. 

O empreendedor realmente precisa olhar em volta e procurar oportunidades. Mas e quando ele olha para dentro, o que ele vê? Será que ganância e oportunismo são compatíveis com sucesso e longevidade empresarial? Meu receio nem é a compatibilidade: parece que a nossa cultura empresarial não apenas aceita – ela fomenta essas características.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Pobre e burguês

Reportagem da revista Época da semana passada pergunta: E você, é da classe média? Acredite, leitor: de acordo com as estatísticas oficias, você tem grande chance de ser considerado um cidadão de classe alta.

O governo federal considera de classe média o cidadão com renda mensal mínima de R$ 291,00. A renda máxima é de R$ 1.301,00. Se você ganhar mais do que isso, é classe alta. Se ganha menos, é pobre. De acordo com estes critérios, 53% da população brasileira pertence à classe média. Sendo esta a medida, a reportagem conclui que 65% dos moradores de favelas do país estariam enquadrados na classe média.

Amparada em estudos internacionais, a consultoria Ernst & Young define uma classe média global: seria um cidadão com rendimento diário entre 10 e 100 dólares. Se este critério fosse aplicado ao Brasil, nossa classe média encolheria para 41% da população, e 58% seria pobre (renda abaixo dos 10 dólares por dia). 

A China faz milagre estatístico semelhante: de acordo com critérios oficiais, 62% da população chinesa é de classe média. De acordo com o parâmetro da Ernst & Young, apenas 11% dos chineses seriam classe média, e 77% seriam pobres.

Há alguns anos se fala no poder de consumo da nova classe média. Ela quer viajar, estudar, e exige novos produtos e serviços. O difícil é fazer isso com um salário mínimo. Ou com meio, como sugere a classificação oficial da classe média. Resultado: endividamento.

Para o empresário com público-alvo na classe C, a sugestão é segmentar essa classe média oficial. Na época da definição, o próprio governo estabeleceu a baixa classe média (renda familiar per capita entre R$ 291 e R$ 441), a média propriamente dita (de R$ R$ 441 a R$ 641) e a alta (risos?) classe média (entre R$ 641 e R$ 1.019).

E quanto a você leitor, que se considerava pobre, humilde e batalhador ganhando mil e meio por mês? De acordo com as estatísticas você é um privilegiado. Você é da burguesia. Quem sabe você forme a tal “elite” que o Lula culpava por todas as mazelas do país. É você quem protesta ou os protestos das ruas são contra você?

Estou brincando. Você é apenas uma estatística equivocada.