quinta-feira, 31 de julho de 2014

O crepúsculo da sabedoria

“Quando um homem entra numa sala ele carrega com ele toda a sua história.”

Essa frase é uma reflexão de Don Draper, o protagonista da fabulosa série Mad Men. Já falei sobre ela aqui: retrata os negócios e dramas de uma agência de publicidade nos anos 1960, na qual Don é o genial diretor de criação. Apertei o botão de pausa e anotei a frase no celular para ser usada eventualmente. Uso agora, como reflexão: até que ponto a própria história, que com o tempo molda o homem, tem sido valorizada?

Hoje em dia, por exemplo: quando falamos em informação e tecnologia sabemos que os jovens dominam o jogo. Nasceram e foram criados online. Os mais velhos, com sorte, nasceram analógicos. Mas essa condição reflete no ser humano: será que chegamos no momento histórico em que o jovem é mais importante do que o velho?

E de quem seria a culpa? É o descaso e desrespeito dos jovens? O filósofo Luiz Felipe Pondé comenta essa questão com certa frequência em sua coluna na Folha de São Paulo. Há alguns dias, ele lembrou que não existem mais avôs e avós, pois “estão todos na academia querendo se parecer com os netos”. Com a obsessão pela saúde e pelo corpo, envelhecer se transformou em uma coisa feia a ser protelada a todo custo. De quem é a culpa mesmo?

Outra situação: os adolescentes de hoje possuem mais cacife para emitir opiniões do que os idosos. Em muitos casos, até mais do que os adultos. Colocamos nossos avós em escolinhas de informática e de inglês básico (mesmo sendo fluentes em alemão ou italiano). No intervalo combinam sinais e formam carinhas sorridentes no Facebook. Que fim levou o patriarca que reinava absoluto na ponta da mesa?

Daí o velho entra na sala, com toda a sua história, e é ofuscado pelos jovens, belos, informados e informatizados. Mesmo sem esses jovens terem história alguma para contar. E não vou dizer que esse velho é vítima indefesa: deveriam aproveitar essa maturidade para destruir sem dó qualquer argumento infantil. Só pessoas experientes e bem informadas poderiam nos livrar dessa hegemonia do comportamento e do pensamento adolescente. Mas a autoridade natural do discurso tem sido solenemente ignorada pela ânsia idosa de parecer jovem.

O novo e preguiçoso venceu, enquanto o tempo passa sem dó por nós aqui parados. 


quinta-feira, 24 de julho de 2014

Enfim o fim do Orkut

Facebook e Orkut possuem praticamente a mesma idade – ambos nasceram nos primeiros meses de 2004. A história do Facebook foi para o cinema (o excelente A Rede Social, de David Fincher). A do Orkut é quase uma lenda. Foi fundado dentro do Google por um engenheiro turco de sobrenome... Orkut. Foi lançado nos Estados Unidos, mas virou febre somente em dois países: Índia e Brasil. 

Dia 30 de setembro o Orkut definitivamente morre – pelo menos este é o prazo definido pelo Google para eliminar sua pioneira rede social. Parece que nem o domínio (Orkut.com) vai sobreviver. Como alternativa, é possível ao usuário migrar para o Google+, a atual rede social da companhia, ou ainda fazer uma espécie de backup dos dados da sua conta. Ou simplesmente esquecer.

O fato é que já matamos o Orkut antes. Tente lembrar, leitor, da última vez que você visitou o site.  Mas mesmo assim, no limbo, é impossível não ficar um certo saudosismo, já que aprendemos (ou não?) a usar rede social com ele – para o bem e para o mal.

Um texto recente no Brasil Post (iniciativa da Editora Abril de trazer ao país o interessante Huffington Post, vale a pena conferir) relembra as “orkutices” que cometíamos lá no Orkut. Por exemplo, quem não contava o número de amigos que eram seus fãs? Ou então colecionava um grande número de scraps (os recados), até que virou hábito começar a apaga-los?

Ou então quem nunca mandou depoimentos que não deveriam ser aceitos – e que eventualmente apareciam no perfil do destinatário? Quem escreveu no perfil que só aceitava como amigo quem deixasse um recado? Quem nunca escreveu em [i]itálico[/i] ou [b]negrito[/b]? Quem nunca recebeu ou enviou recados dizendo "Retribuindo a visitinha”? E a dúvida suprema da internet em 2006: desativar os visitantes recentes só pra fuçar no perfil de todo mundo, ou deixar ativado para ver quem espiava o seu perfil?

O meu perfil ainda existe, mas agora vinculado a um perfil também esquecido do Google+. No campo “Sobre Lucas Miguel”, consta: “O terceiro motoqueiro do globo da morte.” Uma frase copiada de alguma história do Dalton Trevisan que já perdeu o sentido.

Acho que o Orkut não vai deixar saudades. Até porque o Facebook já foi “orkutizado”. Para o bem e para o mal.





quinta-feira, 17 de julho de 2014

Informação Comercial Moderna

O professor (em especial o professor universitário) enfrenta um grande desafio na sala de aula moderna: ser relevante e imprescindível em um cenário onde a informação está totalmente disponibilizada. Existem, por exemplo, profissionais melhores do que ele ensinando a mesma coisa no Youtube. O professor que insiste no seu papel básico e tradicional no ensino (repassar conteúdo) será cada vez mais dispensável.

Esse prólogo lembra um entre tantos exemplos de campos do conhecimento e profissões que foram drasticamente afetados pela tecnologia da informação. Para não parecer algo distante da realidade de alguns, mais um exemplo, que serve também para orientar o presente texto: as mudanças no comércio, desde a maneira de vender até a atuação da equipe de vendas.

Podemos utilizar o mesmo raciocínio do modelo de ensino para uma empresa que quer vender mas não sabe exatamente os problemas e dificuldades que o seu público enfrenta. Dependendo daquilo que a empresa vende, a informação a respeito do produto pode ser um diferencial. Mas de novo: a informação é tamanha que não é raro o consumidor saber mais que o vendedor, já que ele pesquisou tudo sobre aquilo que quer comprar – desde especificações técnicas até comentários de outros usuários. Um vendedor informado (e com disposição a buscar informação) não é mais diferencial – é básico, obrigatório.

Nesse cenário, destaca-se o vendedor que interpreta o consumidor. Ele pode ser o especialista que recomenda, que conta experiências de consumo de outros clientes, que vislumbra exatamente o problema que o consumidor enfrenta. No livro “O Poder do Hábito”, o autor Charles Duhigg cita a The Container Store, uma loja americana que vende utensílios para você se organizar. Os vendedores auxiliam um cliente indeciso pedindo, por exemplo, para que ele “visualize o espaço da casa que pretende organizar e descreva como vai se sentir quando tudo estiver em seu lugar.” 

Na sala de aula o professor também precisa desse esforço compreensivo mais holístico. Empresas também: quando você conhece o seu público fica mais fácil entender e antecipar o que ele precisa.

Uma empresa (especialmente as pequenas!) só evolui se criar mecanismos para saber como está sendo avaliada essa solução que ela entrega – através de pesquisa, informação, ou uma simples e franca conversa. Na verdade, no nosso cenário, se preocupar em ouvir já seria um monumental avanço.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

A criatividade descoberta

Todo mundo percebeu o quanto as grandes companhias aproveitaram a Copa do Mundo para promover suas marcas. Chega a ser enjoativo, até porque não são apenas as marcas esportivas como Adidas (parceira da FIFA) e Nike que aproveitam o espírito da competição como mote publicitário.

Um banco, por exemplo, criou a música que mais tocou na TV durante o mundial: “Mostra tua força Brasil...” Só uma pergunta, leitor: você enjoou de ouvir a música, mas lembrava que era do Itaú? Talvez este seja o descuido mais frequente da propaganda nos meios de comunicação de massa: criar jingles pegajosos, que ficam na memória em função da repetição, mas que acabam não sendo associados à marca.

A melhor abordagem encontrada (já explico o porquê do termo “encontrar”), na minha humilde opinião, é a da Sadia. Você já deve ter visto o comercial: crianças reclamando que nunca viram o Brasil ser campeão (o último título foi em 2002). E os pequenos imploram para a seleção: “Joga pra mim!” Além da sacada sensacional, a campanha toca a música que já é característica da Sadia – o que ajuda o telespectador a associar a propaganda à marca.

Eu me identifiquei demais com esse apelo infantil. Por exemplo: era o primeiro dia da Copa, e fui buscar meu sobrinho na escolinha. Meia dúzia de meninas estava no alto de um brinquedo, gritando para todos os carros que passavam: “Tio, buzina pro Brasil!”. Eu estava na calçada e me perguntaram (sim, fui chamado de “tio” também) se eu torceria para o Brasil. Fiz uma brincadeira que eu era argentino, e elas ficaram constrangidas. Ri, falei que estava brincando e, enfim, fiquei encantado com a alegria da criançada. E acredito que a Sadia percebeu isso: enquanto os adultos estão críticos e céticos em relação à Copa, as crianças nem desconfiam das obras atrasadas e superfaturadas.

Por isso o termo “encontrar”: as grandes marcas observam oportunidades, tendências, movimentos. Nada se cria por acaso: a boa criatividade publicitária nasce da percepção. O grande criativo observa, ouve, entende um sentimento generalizado e aproveita isso para gerar reconhecimento e associação com a marca. Resumindo: o receptor precisa se identificar com a mensagem para que ela seja eficiente.


Como lição para as nossas pequenas empresas fica o esforço criativo dos grandes para captar a melhor abordagem. O que o seu consumidor quer, sente e pensa, no seu município, no seu bairro? Descubra, interprete e apareça.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

O vendedor é um estranho

Em cidades pequenas o problema endêmico da violência não costuma existir. Pessoas são relativamente mais livres de assaltos, por exemplo, seja em locais de grande ou de pouca circulação. O único local onde as pessoas precisam cuidar para não ser assaltadas é dentro de algumas lojas – em geral, redes enormes, de cultura de venda agressiva, igual acontece... nos grandes centros.

Estou exagerando? Então converse, leitor, com quem já trabalhou em grandes redes de lojas e pergunte como é, por exemplo, o treinamento de vendas. Ou então dê uma rápida busca no assunto, e você vai encontrar matérias como essa, do G1: “Em um dos casos, uma senhora que havia comprado diversos produtos percebeu, ao chegar em casa, que havia adquirido também um seguro de vida e um seguro para trabalhadores sem renda. A senhora era aposentada.”

Na mesma matéria, o diretor de Proteção e Defesa do Consumidor do Procon, Amaury Oliva, comentou: "Muitas vezes, o seguro entra no parcelamento e o consumidor nem percebe. Ainda assim, são serviços caros, embutidos na compra de um eletrodoméstico, de um celular, sem que tenha sido solicitado, ou que o consumidor precise dele."

Há alguns dias fui questionado na sala de aula sobre o que um vendedor deve fazer quando não concorda com essas políticas agressivas de venda. Eu não tenho dúvidas: deve sair o quanto antes. Isso acontece com frequência: os valores do funcionário e da empresa não combinam. E uma das partes passa a tolerar os desmandos da outra.

Digamos que, como eu, você foi educado para sempre respeitar os mais velhos, não importa quem ou como eles sejam. Daí uma senhora entra na loja em que você trabalha, e você fora orientado a insistir para o cliente parcelar a compra em 24 vezes, para que a loja possa cobrar juros. E você também foi orientado a “embutir” (termo técnico do varejo cruel) garantia estendida e algum tipo de seguro sempre que for possível. E além disso você trabalha com uma meta obesa cutucando suas costelas. O que você vai fazer: engolir a presa ingênua e indefesa? Ou encontrar o que a pessoa precisa e resolver o seu problema, da maneira que você gostaria que fizessem com a sua mãe? A decisão moral é sua, vendedor, e não da sua empresa.

Como é boa a vida em cidades pequenas. A paz das ruas compensa a escassez de cultura e entretenimento. Deixe seu avô e seu filho andarem tranquilos pela cidade. Mas oriente que eles não entrem desacompanhados em algumas lojas. E que não aceitem supostos benefícios de vendedores estranhos.

Eu sou ingênuo e tenho um sonho: as pequenas empresas familiares fazendo diferente, humanizando a relação comercial.