quinta-feira, 26 de março de 2015

Toda a informação

Já escrevi aqui que a informação está completamente disponibilizada. Você encontra absolutamente tudo que você quiser no Google. Talvez seja preciso entender inglês para realmente ter acesso à toda e qualquer informação. Mas mesmo pesquisando apenas em português é difícil você não encontrar o que procura.

Recomendo um filme que retrata esse cenário: “O Abutre”, de Dan Gilroy. No filme,  Louis Bloom (Jake Gyllenhaal) é um ladrãozinho que descobre sem querer um filão lucrativo: filmagens de acidentes, homicídios e demais desastres, para depois vender as imagens aos canais sensacionalistas.

Começa aí a abordagem empreendedora e corporativa do enredo: por acaso o protagonista encontra uma oportunidade de negócio. E ao longo do seu novo empreendimento, ele desenvolve “habilidades” bem características do mundo corporativo. Louis Bloom descobre tudo que precisa pesquisando na internet: ele fala como se fosse um executivo com alguma experiência, já que faz cursos de administração online. E de uma forma nada ortodoxa, adapta as lições clichés de negócios ao seu trabalho sujo.

E isso está longe de ser ficção. Um exemplo bem real: eu conheço um senhor que estudou tudo sobre coaching no Youtube. E hoje ele é um coach (ou um professor de coaching). E agora: como saber se ele adquiriu o mesmo conhecimento que aqueles que fizeram um curso tradicional? Difícil: é melhor deixar os alunos julgarem. Depois de alguns cursos malsucedidos, ele não fechará outras turmas. Deixe o mercado julgar, ele sabe fazer isso.

Eu já ouvi uma indignação semelhante em sala de aula. Um colega disse o seguinte: “Não é justo o meu diploma valer a mesma coisa que o diploma de um curso à distância.” Acho que o colega aborda o problema de uma forma equivocada. Sua preocupação não deveria ser com o que a lei afirma sobre novas modalidades de ensino. Sua preocupação deveria ser em como mostrar ao mercado a sua aprendizagem, já que isso nenhum diploma consegue provar. E quem vai julgar, mais um vez, será o mercado.

As opiniões não vão mudar o cenário: a informação está aí, online, toda ela disponibilizada. E o que você está esperando para ser especialista em alguma coisa?

quinta-feira, 19 de março de 2015

Picaretagem profissional

Ele faz que não entende, e é autoritário e gentil ao mesmo tempo – depende da crítica, ou do silêncio. Arregala os olhos ao ser questionado: e então muda de assunto, ou concorda com o que alguém fala, já que não tem certeza. Afinal, repete conceitos sobre os quais nunca refletiu. Nunca experimentou. Ele apenas repassa algo que leu ou ouviu em algum lugar.

E a plateia? Imagino que a maioria ignora a farsa. Pagaram por uma aula, um treinamento, uma consultoria, mas assistem a um teatro. 

Vou usar um exemplo para tornar mais claro o tema que quero abordar. Li há alguns dias um texto de Luiz Felipe Pondé, na Folha de São Paulo, que retrata um cenário semelhante: os pais chatos que participam das reuniões nas escolas. Entre outros tipos de pais chatos, destaco esse descrito por Pondé:

“Tipo muito interessado em saber como seu filho vai na escola, mas que na realidade quer falar de algo que ouviu falar numa dessas reuniões com gurus que falam sobre motivação em empresas, e acha que a professora deveria ler esse tal guru que ganha milhões ensinando bobagens sobre liderança. O mundo corporativo gasta milhões com gente fajuta.”

Esse tipo que Pondé descreve é parecido com o profissional picareta ao qual me refiro. E se parece com aquela parte da plateia que, incauta, não percebe o golpe.

Alguns percebem a encenação, mas em geral não falam nada. Ou melhor: não falam nada para o professor, instrutor ou palestrante: vão comentar no intervalo, no dia seguinte, nas redes sociais. O picareta vive com medo dessas pessoas: elas podem revelar o farsante e abalar seu método capenga.

Mais um exemplo: sabe quando você começa abordar em uma apresentação, por exemplo, um tema que você desconhece, ou que não domina muito? É difícil, exige enrolar um pouco, falar sobre algo que não se tem muita certeza. Agora imagine ter como profissão esse improviso constante. O drama do picareta é solitário e interminável.

Minha aspiração profissional é apenas uma: não ser um farsante. Ter a humildade de admitir o erro ou a ignorância, priorizar o aprendizado, não usar o autoritarismo para inibir as críticas. Não importa aonde chegar, ou o que conquistar: eu só quero ser incansável no esforço de falar e escrever baseado em experiências, conhecimento e fatos.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Uma senhora subindo o morro

Eu moro numa cidade pequena. Um dos meus trabalhos é entender pequenas empresas de cidades pequenas.

Estou na sacada do meu apartamento. É sexta-feira, fim da tarde. Tomo café com leite, sem açúcar. O início da noite é o meu horário preferido do dia.

Uma senhora passa na rua do meu prédio com um galão de 5 litros de água na mão esquerda. Na mão direita, uma sacola de plástico grande. E uma bolsa no ombro. O peso parecia equilibrado. Levava, imagino, pelo menos uns 9 quilos em compras (contando a água).

A rua em que ela passava é levemente inclinada. E uns 50 metros adiante começa um morro que não acaba nunca se você está à pé. Deve ter uns 300 ou 400 metros de extensão.

Eu imaginei o plástico do galão de água castigando a palma da mão esquerda. Quem já carregou um desses sabe que a alça não é nada anatômica. Eu imaginei a sacola plástica pesada grudando na mão direita, entupindo os poros. Imaginei também a alça da bolsa incomodando o ombro. Não consigo ver o morro da minha sacada, mas me pergunto: será que ela teve que parar, colocar a água e a sacola no chão, trocar a bolsa de ombro, pegar a água com a mão direita, a sacola com a esquerda e seguir viagem?

Essa senhora mora numa cidade pequena. O pequeno mercado em que ela comprou fica a, no máximo, 2 ou 3 quilômetros de distância da casa de qualquer cliente – a cidade é pequena. Seria absurdo alguém da loja se oferecer para levar a mulher até em casa?

Mas estamos preocupados com os custos: imagine, dirá o gerente, ter que gastar gasolina para levar cada cliente que não tem um carro? É do mesquinho aumentar o problema e arrumar uma desculpa antes de refletir. Ou ele vai dizer que é proibido transportar passageiros. Ele conhece a lei que lhe convém, mas desconhece uma gentileza eventual. E esse mesmo gerente é o que reclama que o consumidor só olha o preço. E ele, pensa em algo além dos custos financeiros?

A tendência é uma loja com mais tecnologia? Pode ser, mas eu acho que a tendência é voltar ao passado: chamar pelo nome, saber o que a pessoa gosta e precisa, fazer amigos. E eventualmente oferecer uma carona até em casa. Seria um momento interessante para conhecer o cliente, trocar ideias e transformar um estranho em um parceiro de longo prazo.

Essa senhora, subindo o morro à pé no final do dia, representa o crepúsculo do varejo como conhecemos. E isso é bom para o próprio varejo.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Vendendo bem o que é ruim

Ouvi uma história interessante há alguns dias: em um curso de vendas, uma participante deixou bem claro, no início do curso, que ela estava ali porque foi obrigada pela chefe. Ela disse que não queria ser vendedora, e que estava estudando para ser engenheira. Para ela, ser vendedora era temporário – e era também algo menor. Ela sentia certa vergonha de estar ali.

O instrutor, um amigo meu, perguntou: e como você vai vender seus projetos e suas ideias? Para quem você vai vender? Pois é. E poderíamos ir além e perguntar: e quando você for arrumar um emprego, como você vai “vender” o profissional que você é?

Esse é um erro comum do profissional inexperiente e deslumbrado: acha que vai se formar em alguma coisa e isso vai salvar sua vida. E vai fazer apenas aquilo que gosta. Quem já saiu da faculdade sabe que os problemas de verdade realmente começam assim que você recebe o diploma. Você estará então vendendo o tempo todo. Vendendo você mesmo e também aquilo que você faz.

Por isso, habilidades de comunicação, sensibilidade e empatia são tão importantes quanto os conhecimentos técnicos. Em alguns casos, ainda mais importantes. Saber vender (no bom sentido, sem picaretagem) sempre será um diferencial em qualquer área de atuação.

Mas aí existe outro problema: aquilo que você está vendendo (você?) é bom? As pessoas precisam do que você vende?

Os vendedores por profissão vão me dar razão: não há nada pior do que ter que vender produtos ruins.

Estou finalizando o livro Growth Hacker Marketing, de Ryan Holiday. O conceito tem sido bastante comentado entre as empresas de tecnologia, e pode ser aplicado por aqui. A reflexão é a seguinte: tentamos elaborar propaganda e divulgação de produtos ruins. Ou talvez nem seja ruim: simplesmente não se encaixa no mercado. Os esforços de marketing, portanto, deveriam ser para ajustar o produto ou serviço, e não para tentar vende-lo a qualquer custo. 

A ideia pode parecer óbvia, mas ela está no centro de diversos equívocos que cometemos: treinamentos de atendimento e vendas para ensinar a empurrar produtos que os clientes não precisam, treinar técnicas de persuasão, além das inúmeras ações de marketing. Tudo num esforço desesperado de empurrar produtos e serviços que não despertam interesse.

Será que, ao invés de investir em propaganda e treinamentos, não seria mais interessante dedicar tempo e dinheiro para melhorar o que é vendido?