Caro amigo,
Sei que não são interessantes essas mensagens padronizadas
que enviamos (tudo bem, que EU envio) para todo mundo no Natal ou Ano-Novo. Culpa
da tecnologia. Estou recebendo algumas, por exemplo, pelo celular. Hoje cedo o
Banco do Brasil lembrou de mim. Ontem alguém que eu não sei quem é. Sou do
tempo em que uma mensagem no celular era uma ocasião: aquela expectativa de que
alguém especial lembrou de você. A banalização do conteúdo é um efeito
colateral da tecnologia.
Eis então uma mensagem nova no seu Facebook, de alguém que
provavelmente não é especial. Sinto muito. Mas de uma nova forma, a tecnologia
também aproxima: não fosse o Facebook, é provável que eu não lembraria de você
hoje. E você muito menos de mim. A tecnologia vai nos manter próximos em 2014 –
mesmo sem ver, mesmo sem falar nada.
*
Além da tecnologia, outro detalhe me encanta e incomoda ao
mesmo tempo no final de ano: aqueles planos que fazemos para o ano que vai
começar (sempre escrevo sobre esse assunto no final do ano). Acreditamos que o
eu do futuro será melhor, mais determinado, mais FELIZ (sublinhe essa palavra, amigo
leitor) que o eu do presente. Criamos expectativas sobre nós mesmos! E não se
tornar esse super-homem invariavelmente vai ser, ano após ano, frustrante.
Sou fã de um cara que escreve na Folha de São Paulo, o
filósofo Luiz Felipe Pondé (compre, se possível, os livros “Contra um mundo
melhor” e “Guia politicamente incorreto da filosofia”). Há alguns dias ele
falava da contemporânea e avassaladora “mania de felicidade”. Engolimos
tarjas-pretas e compartilhamos ensinamentos de autoajuda: vivemos a obrigação de
uma vida feliz. Não ser feliz, hoje em dia, é considerada uma questão de incompetência: você que não estaria se esforçando o bastante.
No entanto, lembra Pondé, a vida é precária. Caminhamos rente ao abismo, ou
rumo a ele. Nosso destino, até onde se sabe, é trágico. Franz Kafka também
dizia que esperança existe, mas não para nós.
Dessa forma, dizer que o seu objetivo é ser feliz é não
saber aonde ir. É andar no escuro, apalpando paredes em busca de um interruptor
que nunca existiu. Se a felicidade é subjetiva e baseada em realizações
efêmeras, como então estabelece-la como meta de longo prazo? Se você quer ter metas,
precisar definir coisas tangíveis e mensuráveis e então adotar métricas: seria
uma quantia em dinheiro? Quantos quilos? Ou: com qual régua você está tentando
medir felicidade?
Espero e sugiro que em 2014 você esqueça essa obrigação
obsessiva de ser feliz (ou, mais melancólico ainda, “parecer feliz”), por mais
nobre que o propósito seja. Essa subjetividade dos desejos e planos é
contraproducente e vai resultar, invariavelmente, em frustração.
Resumindo essa mensagem de ano novo: ser feliz é um meio,
não um fim. Prova disso, para encerrar 2013 e este texto, o poema “Renúncia”, de
Manuel Bandeira:
Chora de manso e no íntimo... Procura
Curtir sem queixa o mal que te crucia:
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.
Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
E será, ela só, tua ventura.
A vida é vã como a sombra que passa.
Sofre sereno e de alma sobranceira,
Sem um grito sequer, tua desgraça.
Encerra em ti tua tristeza inteira.
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira.
Tua doce e constante companheira.