quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Entender para atender

Em épocas de Big Brother na Globo, algumas reflexões são bastante comuns. Seria fácil, por exemplo, falar aqui sobre o quão estúpido é o programa. Todo mundo concordaria – até os que assistem. Mas a crítica fácil corre o risco de passar despercebida. Ela também é facilmente esquecida. E o mais grave: a crítica fácil revela muito sobre quem critica.

Por isso, ao invés da crítica óbvia, hoje vou pedir para que você, nobre leitor, preste atenção a um detalhe do programa. E vamos juntos fazer uma análise crucial sobre o comportamento do consumidor.

O exemplo: você já assistiu angustiado a algum paredão. Admita. Mesmo que tenha sido lá nas primeiras edições, quando o programa ainda era uma novidade. Pode ter sido também uma eliminação da Casa dos Artistas, lembra?

E numa dessas decisões, você tinha certeza que o seu brother/artista ficaria na casa com mais de 90% dos votos. Mas ele foi eliminado e você não entendeu nada. Será que foi manipulação da Globo? Ou então, como pode o povo preferir aquela outra pessoa tão chata?

E aqui chegamos na reflexão que eu proponho: você não sabe do que as pessoas gostam. Você simplesmente não sabe. E isso é cruel quando inventamos produtos e serviços com base nas nossas crenças, nas nossas preferências.

Nós não conhecemos a nova geração, mas queremos educa-los. Não conhecemos os idosos, mas queremos reeduca-los. Não gostamos dos argentinos, mas falamos alto sobre a importância da exportação e do turismo (em breve voltarei ao tema neste espaço).

Faz muitos anos que uso esse exemplo de uma eliminação do Big Brother para ensinar marketing aos que estão começando. Ou: marketing é todo esforço envolvido em entender para poder atender o seu público. E só quando você percebe que a maioria das pessoas não pensa como você, percebe-se quanto trabalho tem pela frente. 

Talvez o trabalho mais difícil seja sempre esse de entender as pessoas. O que elas precisam. O que elas temem. Com o que elas sonham. Se você não tiver essa percepção, o que você for fazer será sempre uma incógnita, uma aposta.

Parece que eu vejo a cena: a pessoa aparece, confere se ninguém está ouvindo, fecha a porta, e então afirma que sabe o que daria certo em São Miguel ou em Maravilha. Ela não sabe, e se pensa que sabe já perdeu. Precisa descobrir. Precisa entender para atender.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

A desejada dependência

Se aquilo que você faz não pode ser ensinado, o que você faz não tem o valor que poderia. Ou melhor: o que você faz não tem o valor que deveria ter. Vamos lá.

Digamos que você seja um médico. Obviamente você não vai ensinar as pessoas a praticarem medicina. Mas você pode educar. Você pode orientar, não apenas com a solução, mas com procedimentos. Por exemplo: como o paciente pode aprender a identificar problemas? Como ele pode aprender a evitar complicações? Se você, médico, não ensinar, vai ter um paciente cheio de dúvidas – completamente dependente de você.

Ao médico provavelmente não interessa ter um paciente que depende dele para tudo. Mas quando se trata de profissionais que não querem perder clientes, essa dependência pode representar todo o vínculo financeiro.

Nesse ponto entendemos o motivo de muitos profissionais não transmitirem conhecimento: eles querem ser imprescindíveis, insubstituíveis. É o advogado que não ensina seu cliente sobre detalhes da lei que poderiam facilitar sua vida. É o contador que não libera toda a informação. É o gerente que só fiscaliza e não dá autonomia, pois teme ser substituído. 

Em geral, são profissionais que não entregam valor aos seus clientes: eles apenas trocam dinheiro por tempo de serviço. Ou: você, leigo, paga, e eu, especialista, faço. E quando você tiver alguma dúvida, entre em contato comigo. E mais uma vez, você, leigo, paga, e eu, especialista, faço. E assim construímos a dependência, que alguns chamam de carteira de clientes. 

É o mesmo mal que acomete o empreendedor. Ele começa bravamente, resolvendo todos os problemas do novo negócio. Atende, compra, vende: normal nos estágios iniciais. O problema é quando esse empreendedor continua assim a vida toda: não acredita nas pessoas, não forma um time. Condena, assim, o próprio negócio e a si mesmo. Só vai crescer até chegar no seu limite pessoal, já que ele não ensina – o que ele aprendeu é só dele. É cansativo, mas ele quer (e se não quer conscientemente é o culpado) essa dependência.

Essa é uma lição que serve para todos, em algum momento ou campo da própria vida. Eu, por exemplo, percebo que, como consultor, preciso assumir um desafio: ensinar o cliente a diagnosticar e resolver problemas na sua empresa por conta própria – e não apenas pagar por respostas. Minha função é cultivar procedimentos que se transformem em hábito.



quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Pobres crianças

O banco Itaú criou a campanha “Digitau”, assim mesmo, com “U” no final, para falar dos seus serviços online. A ideia é óbvia: um neologismo que justapõe a marca e o canal, representando de forma direta e simples conceitos como modernidade e facilidade para os seus clientes.

No entanto, a patrulha politicamente correta não gostou. Consumidores protestaram no Conar, Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária: alegaram que a propaganda poderia influenciar as crianças e fazer com que elas escrevessem a palavra digital de forma equivocada, com o “U” do Itaú no final.

Para não se incomodar mais, o Itaú se antecipou à decisão do Conar e fez uma propaganda explicando a diferença entre as duas palavras. A propósito, uma peça muito boa, usando emojis (aquelas carinhas que a gente usa quando não sabe o que escrever – só o português não basta para se entender no WhatsApp) para explicar a ideia do “Digitau”.

A pseudo-polêmica (não encontrei outro termo, e espero que se escreva assim) é burra, desnecessária. As próprias crianças devem ter ficado ofendidas: será que elas não tem a capacidade de entender o trocadilho, a brincadeira da propaganda? Elas vivem conectadas e acostumados com uma linguagem em constante mutação. É possível que muitas perceberam a ideia antes mesmo dos pais.

Já comentei neste espaço o quanto as tecnologia moldaram as famílias. Hoje é o filho quem entende de tecnologia e ensina o pai a mexer no celular. É a filha quem entende de moda e palpita sobre o estilo da mãe. Será que elas precisam ser protegidas de palavras “erradas” (errada, no caso, só para quem é analfabeto funcional)? Ou será que o problema aqui é o banco capitalista do mal que quer influenciar pequenos inocentes?

Ao perceber a manipulação das palavras, as crianças demonstram capacidade de raciocínio lógico. Mostram que estão adquirindo repertório para interpretar. Aos poucos aprendem a usar a ironia em texto. Essa deveria ser a preocupação educacional, ainda mais em tempos em que o corretor do computador ou do celular vai te avisar se você escrever “digital” de forma errada.

Temos tantos problemas para resolver, mas resolvemos criar novas pendengas irrelevantes. Algo bem característico de um país onde é preciso estar com a opinião alinhada com a consciência social vigente o tempo todo. Ou então correr o risco de ser perseguido na rua e nas redes sociais.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

A experiência e o aprendizado

Toda vez que você estiver diante de uma situação problema, você precisa entender 3 coisas: o que você sabe, o que você acha que sabe, e o que você realmente não sabe sobre aquilo que precisa resolver.

Para ilustrar a ideia, vou usar como exemplo o trabalho de um consultor. Segundo Edgar Schein, um dos maiores pensadores de consultoria organizacional, o consultor costuma ajudar mais quando ele atua numa área que ele não conhece. A explicação é a seguinte: se ele não sabe a resposta, teoricamente ele vai ser mais sincero nas perguntas. Faz sentido.

Mas claro que para isso acontecer, esse consultor precisa estar comprometido em ajudar. Ajudar precisa ser o objetivo do trabalho.

Por que trago esse comentário? Porque é algo que ouço o tempo todo: as pessoas acham que não estão preparadas, ou que não tem experiência para pode ajudar, contribuir, mudar. Mas não é apenas quem tem muito conhecimento que pode colaborar. A experiência é importante, as vezes fundamental, mas existe um perigo na experiência: a pessoa pode achar que sabe muito, e em função disso não se esforça tanto na busca pela solução mais adequada.

Existe algo que podemos chamar de ponto cego da experiência: a pessoa domina tanto determinada área do conhecimento que não percebe alterações. Não aceita novos padrões. E nem sempre isso é arrogância: ela realmente sabe muito, e sempre resolveu o que precisava com a bagagem que tem. Mas num mundo em crescente aceleração, essa âncora da experiência pode impedir adaptações necessárias.

Aqui percebemos também o choque de gerações: os experientes desprezando os novatos. Os dois lados erram, um desprezando a possível inovação, outro taxando de antiquada a escola antiga, a fundação. Mas o exemplo negativo mais frequente vem de cima para baixo: por não entenderem o raciocínio online e digital (nas tecnologias, nas comunicações e na vida) utilizam os anos de prática como refúgio, como barreira. As vezes como proteção.

Concluindo, a experiência do perito não garante resultados: alguém realmente preocupado em ajudar pode ser até mais útil do que um especialista. Pois ele vai querer resolver e, principalmente, também vai querer aprender com a situação. E essa fome de aprendizado faz acontecer.