quinta-feira, 31 de março de 2016

A idade do trabalho

Uma reportagem do jornal Diário Catarinense mostra, literalmente, as mutilações sofridas por menores de idade no local de trabalho. Segundo a reportagem, Santa Catarina é o sexto estado no ranking de flagrantes de trabalho infantil e o quarto da lista de acidentes de trabalho: 169 crianças foram vítimas de acidentes de trabalho em Santa Catarina em 2015.

Muitos desses acidentes acontecem na propriedade rural, ou na pequena fábrica da família. Queimaduras, amputações – sequelas que permanecerão por toda a vida.

Os mais antigos dizem que trabalhavam muito quando eram crianças. E que o trabalho é (porque foi) necessário para a formação pessoal. Tem certa lógica – ainda mais quando observamos a inércia adolescente.

Vamos partir desse principal argumento de quem defende o que vou chamar de trabalho infanto-juvenil: até que ponto trabalhar na roça ou na fábrica da família vai formar um adulto melhor? Isso acontecia num cenário de subsistência, de carência de recursos. Mas e hoje?

A mim me parece que estamos perdidos no tempo, em algum debate errado do século passado. Precisamos melhorar o desenvolvimento intelectual das crianças e adolescentes. Mas o nosso atraso é tão grande que estamos resgatando menores presos em máquinas, trabalhando sem orientação – e na maioria das vezes ao lado de um familiar.

O trabalho infantil é também um aspecto cultural. Ele existe porque pais e avós trabalharam e foram educados assim. O mundo hoje é outro. E essa crença precisa ser combatida.

Se queremos crianças e adolescentes com mais responsabilidades, acho que poderíamos observar aquilo que eles sabem fazer. Combinar suas habilidades com um desenvolvimento voltado para o futuro. Por exemplo: sabemos que nessa faixa etária perde-se muito tempo com distrações tecnológicas. Os pais e as escolas tentam proibir. Quem sabe seja melhor incentivar, de forma que esse hábito gere benefícios para todo mundo.

Um exemplo: hoje de manhã eu conversava com o proprietário de uma cambaleante empresa familiar. Ele mal sabe responder um e-mail. Mas tem um filho de 16 anos estudando numa escola técnica. Sugeri que o rapaz assumisse os canais de comunicação da firma (Facebook, por exemplo), hoje abandonados. Tenho certeza, mesmo sem conhece-lo, de que ele faria um bom trabalho.


quinta-feira, 24 de março de 2016

A utopia eletrônica

Já fui contatado, varias vezes, para ajudar pequenas empresas a resolver questões mais ou menos assim: eles querem saber como fazer para vender pela internet, atingindo clientes de todo o Brasil.

Para ajudar a esclarecer a complexidade da situação, faço algumas perguntas. Por exemplo: você costuma comprar de sites desconhecidos? Fica tranquilo ao colocar lá os dados do seu cartão de crédito? Basta se colocar no lugar do consumidor para entender o problema. Por isso, pequenas empresas que se aventuram no comércio eletrônico precisam conquistar confiança, reconhecimento.

Um bom caminho são os marketplaces. O exemplo mais famoso no Brasil é o Mercado Livre: lá qualquer pessoa pode vender, e o site é uma garantia a mais de que quem comprou vai receber. Lá você também percebe se o vendedor é bem avaliado pelos antigos clientes. A propósito, se você entrar em sites de grandes lojas, verá que todo mundo está criando marketplaces para pequenas empresas parceiras. Uma grande oportunidade para os pequenos que quiserem vender pela internet com o aval de um grande (e que tem o tal fator confiança). Eles cobram uma porcentagem por cada venda.

E para quem se queixa da concorrência desleal do comércio eletrônico, mais uma informação: nenhuma das grandes lojas online que você conhece tem dado lucro. Elas ainda são uma aposta, pois a concorrência é grande e por isso todas trabalham com margens muito pequenas. O lucro só vai acontecer quando um número maior de brasileiros comprar pela internet. Se hoje já está difícil, já pensou o que vai acontecer com a sua loja física quando esse dia chegar?

É aquela história: a grama do vizinho sempre parece mais verde. Daí eu ouço: “É injusto, os sites vendem mais barato porque eles não precisam pagar funcionários!” E os elevados custos de logística e tecnologia? E a comparação de preços constante, por parte do consumidor? E as devoluções? São questões que a maioria dos pequenos negócios nem imagina como funciona. Mas achar culpados para os nossos problemas é o nosso hábito mais antigo.

Sugestão: encontre diferencias, cultive a sua carteira de clientes, facilite a vida do consumidor e forme um bom time. Não é uma tarefa fácil. Mas alguém disse que seria?


quinta-feira, 17 de março de 2016

Os médicos e todos nós

De cada 20 buscas que as pessoas fazem no Google, uma é tentando entender sintomas de doenças. Por isso, o Google e o Hospital Israelita Albert Einstein criaram no Brasil uma iniciativa para facilitar o esclarecimento dessas dúvidas.

Os médicos ajudaram a construir os informativos sobre as doenças. Se você digitar, digamos, “sarampo” no Google, verá um quadro em destaque com os sintomas e indicações. A ideia é criar um local de referência para esse tipo de informação, e quem sabe diminuir a quantidade de pessoas que acabam encontrando informações equivocadas. 

O Fantástico fez uma reportagem sobre a situação. E o enfoque foi interessante: os médicos precisam entender essa quantidade de informação que o paciente acessa. Eles precisam lidar com esse paciente preocupado e sobrecarregado de informações duvidosas. Inclusive, as vezes o paciente entra num dilema: confiar mais no diagnóstico do médico ou naquilo que ele descobriu na Internet?

Na reportagem, uma moça relatou o caso em que ela se informou na internet sobre o remédio que deveria tomar, mas o médico falou que ela estava errada. Ele prescreveu outro, e no final, era ela quem estava certa. E então precisamos compreender os motivos do paciente: ele foi mal orientado e o médico teve uma postura arrogante. O que fazer? Ele vai buscar em outro lugar a informação que não teve. (Sugestão de remédio para muitos profissionais da saúde: Marketing!).

Outra moça relatou, na mesma reportagem, algo que já deve ter acontecido com todo mundo: você desconfia que está doente. Então procura no Google a provável doença que acarreta os sintomas que você está sentindo. E então parece que você começa a sentir outros sintomas, e aqueles que você sentia ficam mais fortes. E você fica apavorado. E então precisamos de um médico para colocar as informações no lugar e verificar o que se passa. Em geral, nesses casos, não é doença: é imaginação.

E é claro que existem médicos e médicos. Como em toda profissão. O fato é que o médico não é mais o dono da verdade. Ninguém mais é. Todo mundo tem acesso à informação (gratuita). O doutor, outrora inquestionável, precisa ser um educador, de postura humilde. Na verdade todos nós, em maior ou menor grau, precisamos ser educadores de postura humilde. Não importa a profissão.

quinta-feira, 10 de março de 2016

O brasileiro propriamente dito

Há alguns dias peguei um ônibus para ir de Florianópolis até Santo Amaro da Imperatriz. Um trajeto de mais ou menos uma hora. Saí as 10 e cheguei as 11 e pouco da noite.

Fazia algum tempo que eu não andava nesse horário e nesse trajeto periférico.
O ônibus saiu quase vazio de Floripa, mas foi enchendo quando passou por dentro de São José. Na Palhoça, estava lotado: a massa de trabalhadores voltando pra casa. O brasileiro propriamente dito.

O detalhe que mais chamou a atenção não é nenhuma novidade: praticamente todos eles estavam conectados. Novos e velhos. A tecnologia não apenas distrai, mas também diminui a solidão.

Isso porque o seu cérebro não sabe exatamente o que é realidade e o que é estímulo da imaginação. Logo, ver uma foto ou um vídeo de um ente querido, para o cérebro, é como estar ao lado da pessoa. Mandar um recado e ler a resposta, para o cérebro, é quase como ouvir a voz de quem escreve, preocupado com você. Assim o tempo passa. Assim nos conectamos: não apenas no sinal precário das operadoras, mas com todas as pessoas que consideramos importantes.

É uma baita lição de marketing: o sucesso da tecnologia é resultado dessa capacidade de resolver nossos problemas. Se não vejo passar uma hora de ônibus, valorizo meu aparelho celular. Vou pagar por ele porque ele resolve vários problemas e facilita minha vida. Seu produto não vende? Pense em como resolver problemas e facilitar a vida das pessoas.

Mas muitos estão preocupados em criticar a tecnologia. Só que a crítica só é feita porque temos os equipamentos digitais nas mãos. Converse com esse trabalhador mais velho e pergunte como era enfrentar horas de ônibus sem o celular para entreter. A propósito, tenho pena das pessoas que enfrentam essas rotinas e desconhecem os benefícios da conectividade. A inclusão digital, hoje, não é um problema de renda. É um triste problema de faixa etária.

E claro que em geral as pessoas estão apenas conversando no Whatsapp, deslizando na linha do tempo do Facebook, ou, para aqueles que estão sem pacote de dados, jogando Candy Crush Saga. Mas isso não é culpa da tecnologia. É problema do usuário. A vida difícil, e o celular, são dele.

quinta-feira, 3 de março de 2016

Os argentinos perdidos

Quando estou na casa da minha mãe, em São Miguel do Oeste, gosto de correr em um trecho do acesso a Paraíso, fronteira com a Argentina.

Em duas ocasiões, carros com placa da Argentina pararam pedindo informações. Os dois haviam errado o caminho para Dionísio Cerqueira. Um deles estava irritado.

Alguns dias depois, no outro extremo de Santa Catarina, reparei na quantidade de argentinos no shopping Beiramar, aqui em Floripa. Famílias grandes, assustadoramente queimadas do sol, e em geral bastante felizes. Consumindo produtos e serviços do Brasil, o país que, de acordo com as pesquisas, é o que eles mais gostam.

Escrevo esse comentário justamente por isso: acho que tratamos mal os argentinos.

O problema mais evidente: não sabemos nos comunicar com eles. Observei no shopping, por exemplo, a dificuldade com que um senhor pedia um lanche,  num portunhol gesticulado. Até tentamos, do nosso jeito improvisado: reparei em um folheto de um restaurante da região oeste que tentou escrever “caminho das praias” em espanhol. Virou piada por dois erros grosseiros em uma única frase. E o tradutor do Google ali, gratuito, acessível. 

A falta de sinalização nas rodovias demonstra a mesma dificuldade de comunicação. Sem falar no lamentável estado de conservação das rodovias – também uma forma de comunicar a nossa indiferença.

Para piorar, achamos ainda que eles são folgados: sabemos que alguns realmente são, mas em geral é o choque de culturas. São vários mal-entendidos. Lembro de uma amiga argentina que comentava o que se fala sobre o Brasil por lá. E as consequências: lembro de outra amiga que pegou um taxi em Buenos Aires e foi tratada como uma prostituta. 

Existe também uma diferença brutal no comportamento de compra: em geral, o argentino, se não gostou, diz que não gostou e sai da loja. E os vendedores interpretam isso como falta de educação. Pois estão acostumados com o brasileiro, que inventa alguma desculpa (“Vou dar uma volta e pensar um pouquinho!”) para não parecer mal educado. 

Precisamos entender melhor os argentinos. Se não for por simpatia e educação, que seja para vender mais.